Memórias dos cinemas antigos
Conheça histórias das salas de Imperatriz que deixaram saudade
Juliana Carvalho
Lia Amaral
Quando se pensa em cinema em Imperatriz hoje em dia, logo vem à mente as salas do CineStar, no Shopping Tocantins e as do CineSystem, no Imperial, com tecnologias como o 3D. Mas muito antes dessas estruturas com multisserviços passarem a reinar em quase todo Brasil, havia espaços cinematográficos espalhados por toda parte, principalmente os chamados cinemas de rua. Esses lugares significaram, por algumas décadas, uma das principais formas de lazer para os moradores da cidade e da região Tocantina.
O cine Muiraquitã (1959-1973) foi a primeira sala do município, segundo confirma a Enciclopédia de Imperatriz, do jornalista Edmilson Sanches. Fundado por Manoel Ribeiro Soares, o responsável técnico era Mustafá Chariffe. Ligado à sala, havia também um bar e uma lanchonete. O nome inusitado vem da lenda do muiraquitã, que diz que o objeto foi doado a visitantes pelas guerreiras amazonas. Os muiraquitãs são pequenos amuletos de pedra verde, amazônicas, possuem formato de sapos, rãs ou tartarugas e acredita-se que tragam felicidade, sorte e proteção.
Em 1965, a administração da sala mudou. Lourenço Avelino de Souza (mais conhecido como “Seu Leó”), tornou-se o novo proprietário. O cinema então, passou a contar com sessões matinais e noturnas e pessoas de todas as idades e classes sociais o frequentavam. Devido aos costumes da época, somente quando se exibia filmes eróticos, os homens e mulheres não dividiam o mesmo espaço. Em 1973, Seu Léo teve que entregar o prédio a pedido da proprietária. Todas essas informações constam no livro Cinema e Ensino de História: metodologias e práticas docentes, organizado a partir de pesquisas da professora Nice Rejane Oliveira, que faleceu em 2021.
A aposentada Maria Delvina Alves Vieira, de 79 anos, relembra de seus momentos de juventude em que ia ao cine Muiraquitã com os primos e amigos da igreja. “Era muito bom ir no cinema, achava muito diferente e divertido. Mas também não era sempre que a gente podia ir. Não é que fosse muito caro, mas também não era barato”.
Espaço de elite
Na rua Coronel Manoel Bandeira, esquina com a avenida Getúlio Vargas, em 22 de novembro de 1974, foi inaugurado o cine Fides, também de propriedade de Lourenço. O filme de estreia foi “Sansão, o homem mais forte do mundo” (1961), dos diretores Brad Harris e Sergio Ciani. Seu Léo deu o nome ao cinema em homenagem à sua filha, Fides Moreira, que tinha nascido naquela data, dez anos antes, informações confirmadas tanto na obra de Nice Rejane quanto na Enciclopédia de Imperatriz.
O Fides era considerado um espaço de elite, com equipamentos cinematográficos melhores e as salas mais confortáveis. Mas, por causa disso, o custo do ingresso era maior. Além de ter a sala fixa, o cinema era itinerante, levava diversão e entretenimento para cidades próximas de Imperatriz, como Açailândia. Fechou suas portas em 1989 e hoje sedia uma igreja evangélica.
O jornalista Edmilson Sanches fez um relato de quando assistiu ao controverso filme “O Império dos sentidos”, de 1973, do diretor japonês Nagisa Oshima. Classificado oficialmente como “erótico” é considerado apenas pornográfico por uns e “cult”, um filme de arte, por muitos críticos. Assim, a produção atraía muitos espectadores e causava polêmica onde fosse exibida.
À medida em que as cenas “fortes”, algumas explícitas, iam aparecendo, pessoas, inclusive casais, levantavam-se e abandonavam a sala. “No escurinho do cinema, adultos jovens zombavam de quem saía, falando para todos ouvirem: ‘Vai pro motel, né?’ ou ‘Não aguentou... Vai pro banheiro.’ Em todas as situações, referências à busca de satisfação sexual”, recorda Edmilson Sanches.
Lembranças populares
O Cine Marabá, inaugurado em 1974 pelos sócios Hiran e João Bogéa, diferente do Cine Fides, era extremamente popular. Em todas as estreias a população comparecia em peso e lotava os 780 lugares disponíveis. Algumas pessoas não se importavam de sentar no chão para assistir aos filmes como de Nicolas Meyer, como o segundo da franquia Jornada nas Estrelas, Star Trek II: a ira de Khan.
Edmilson Sanches também traz um relato interessante sobre a acolhida da produção The day after - o dia seguinte (1983) pelas plateias da cidade, no cine Marabá. “Levei toda a família para assistir ao filme, que mostrava, de forma nunca vista antes na tela, o horror da guerra nuclear total. Causou sensação no mundo inteiro”, comenta o jornalista.
Ele conta que se acomodou com os familiares nas cadeiras da parte superior da sala. “Minha mãe e meu avô materno, que há tempos não iam a cinema, e meus quatro irmãos, jovens estudantes, ficaram muito bem impressionados. Ao sairmos, sentamo-nos à mesa da sorveteria à esquerda do Cine e, entre sorvetes e sanduíches, conversamos longamente sobre o que vimos”, relembra, saudoso, o jornalista.
Histórias como a do caminhoneiro Domingos Gomes Silva, de 55 anos, também marcaram a trajetória do Cine Marabá. Ele conta que, quando criança, costumava acompanhar sua irmã mais velha, Meirenalva, nas idas dela ao cinema com o seu namorado.
"Nossos pais só deixavam ela sair com o namorado se eu fosse junto. Ela, que não era besta, me botou pra assistir um filme, me deu um saco de balinha e saiu pra namorar. Mas aí eu agarrei no sono, não vi filme acabando, não vi sala fechando. E ela teve que chamar o guarda pra me tirar de lá”, conta Domingos, rindo das lembranças. O Cine Marabá deixou de funcionar em 1995.
Cine Muiraquitã (esq.) foi a primeira sala de Imperatriz e o Cine Fides uma das mais populares. (foto: Reprodução Google Imagens)
Expansão, decadência e mudanças
Além dos já citados, muitos outros cinemas fizeram parte da história da cidade, conforme pesquisas de Sanches e Nice Rejane. Como o Cine Imperatriz, fundado por Francisco Ramos, que é eletrotécnico e radialista. O Cine São Raimundo, inaugurado em 1967, com nome em referência ao seu fundador, Raimundo Suagno de Brito, que funcionou na rua Minas Gerais, próximo ao Armazém Cruzeiro do Sul.
O cine Celimar, de Luís Bucelles, abriu as portas em 6 de fevereiro de 1976, na rua Paraíba, próximo à praça Brasil. O cine São Luís, fundado por Luís Pereira da Silva (o Luís Bracim) e Raimundo Suagno de Brito, inicialmente funcionou na rua Guanabara, no Entroncamento e, depois, na avenida Dorgival Pinheiro de Sousa.
Em 1996, Imperatriz recebeu um novo cinema, mais moderno, que conquistou os jovens. O Cine Timbira, localizado no primeiro shopping center da cidade, de mesmo nome, foi um pequeno exemplo de um novo conceito, como pode ser conferido em outra matéria do site Sibita, "Cine Timbira trouxe cinema moderno para Imperatriz". Mas por falta de interesse da população e de investimentos, acabou encerrando as atividades em 2008.
Os cinemas em Imperatriz tiveram seus momentos de glória, mas também de decadência. Fatores em sequência, como o surgimento das grandes salas nos shoppings centers, problemas de distribuição dos filmes, avanço da pirataria ou mesmo, em fenômeno mais atual, os streamings, contribuíram para o cenário atual.
Porém, suas histórias continuam repletas de memórias, de salas cheias de contos, aventuras, romances e mitos, do cheirinho de pipoca, da bala que gruda no dente, das recordações de tempos diferentes.
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