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Para além da visão, a percepção

Repórter cega visita o Festival Canta Imperatriz


Juliana Fernandes


Gravura de Henrique Xavier sobre desenho de Natália Catherine


Naquela noite de sábado, em outubro de 2023, acontecia a primeira edição do festival Canta Imperatriz. Cheguei na Beira-Rio com minha amiga Natália, por volta das 19h30, antes mesmo de começar, e passeamos um pouco pelo ambiente. Logo notei a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, como a ausência de piso tátil e audiodescritores, o que seria de muita importância para possibilitar uma boa experiência para esse público.


De qualquer modo, o clima estava extremamente agradável. Havia bastante gente circulando pelo local. Crianças brincavam e pediam para os pais comprarem brinquedos. Outras pessoas saboreavam lanches. Nesse momento, me veio um cheiro bem forte de batata frita, seguido de pipoca quentinha da hora, que me deixou com água na boca. Não pude evitar de pensar: meus futuros filhos iriam amar um cenário como esse.


Ao longo da noite, enquanto estávamos passeando pelo local, minha amiga avistou algumas barracas que vendiam itens de artesanato. Na hora, ela me perguntou se eu gostaria de ir conhecer, e eu prontamente aceitei o convite. Chegando lá, Natália começou a descrever alguns dos artefatos ali presentes, como colares e brincos de miçangas, roupas de crochê e utensílios feitos de palha, como bolsas e cestas.


Enquanto ela me apresentava os materiais, eu pude tocá-los e sentir o formato de cada um deles. Nesse momento, consegui me sentir mais incluída, pois me possibilitou a experiência de conhecer as peças com as minhas próprias mãos, sem depender totalmente das descrições de outras pessoas.


Depois de um tempinho andando e explorando o lugar, minha amiga deu a ideia de irmos dar uma volta nos pedalinhos em forma de patos, disponíveis para quem quer passear pelo lago. Mas eu fiquei com medo e disse que era melhor não. E assim só seguimos caminhando por ali, esperando o show começar.


A primeira atração da noite foi a cantora Lena Garcia, artista regional. Gostei muito de ouvi-la cantar, pois a voz dela soou maravilhosa. A propósito, os timbres vocais dos artistas sempre foram uma característica marcante para mim. Sou cega, e minha percepção é majoritariamente composta pelos sons que ouço e pelas descrições que meus amigos ou membros da família fazem para mim. Embora eu não conhecesse nenhuma música que Lena cantou naquela noite, logo lembrei da voz da Elis Regina, pela semelhança.


O que achei mais interessante e engraçado em seu show, foi um momento em que ela se virou para o intérprete de Libras e disse: “Fico maravilhada em ter essa gostosura do meu lado aqui no palco”. Não aguentei, ri horrores.


Outra apresentação daquela noite foi a do cantor, também regional, Erasmo Dibell, com uma voz mais suave e calma. Eu já estava um pouco cansada, além do mais, não conhecia a maioria das músicas autorais dele. Um fato engraçado que aconteceu, é que Dibell fez uma paródia da canção “Canta, Canta Minha Gente”, em homenagem a Imperatriz. E o cantor desafiou as pessoas a acompanharem o refrão da música no palco. Quem cantasse correto, ganharia um chopp. Pensei comigo mesma: eu não subiria nesse palco nem que fosse para ganhar uma bicicleta, quanto mais um chopp. Mas nada me impediria de assistir os meus colegas passarem vergonha no palco enquanto eu apreciava tranquila, no meu lugar.


Percebi que um homem resolveu se habilitar. Cantou a música errada, mas o cantor ficou tão satisfeito com a sua coragem e ousadia, que resolveu premiar o rapaz com o chopp mesmo assim.


O cantor Erasmo Dibell, ao finalzinho do show, cantou duas músicas que eu conheço. Eu já estava quase indo embora, mas essas canções meio que me prenderam ali. Não gosto muito de Legião Urbana, mas achei bacana ele cantar “Pais e filhos”. Lembrou muito a minha infância, quando meu padrasto colocava essa faixa para ouvir em casa e cantava junto. Me deu saudade desses momentos em família.


Ele também cantou a música “Porque brigamos”, da cantora Diana. Neste momento, percebi que as pessoas começaram a se agitar e interagir mais com Erasmo, formando um coro. E acho que o cantor até pensou: “Até que enfim estão cantando comigo”. Por fim, tive que ir embora cerca das 22h40, antes mesmo de terminar. Mas posso dizer que a noite foi maravilhosa.

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