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"A arte existe para ter uma mensagem"

Victor Sabbag narra sua trajetória no teatro e direção artística


por Sebastião Rocha


Com a infância marcada pela arte, o ator e diretor Victor Sabbag, aos 31 anos, carrega uma bagagem cultural expressiva e incorpora temas atuais e históricos para trazer ao público, a cada apresentação, algo novo e envolvente. Em trabalhos recentes, o diretor ajudou a contar a trajetória da cantora Carmen Miranda (1909-1955), com a Junina Arrasta Pé, em Carmen-se (2024), além de encenar a vida da religiosa Rita de Cássia (1381-1457), no espetáculo de teatro e musical O perfume da rosa (2023), com a Cia. de Artes Ruah.


Por meio da direção artística, Sabbag apresenta histórias de vida que transmitem mensagens para o público. (foto: acervo pessoal/Victor Sabbag)


Victor Sabbag é formado em Administração e faz curso regular de teatro em Belém (PA). Em Imperatriz, está à frente da direção artística da Companhia de Artes Ruah e da Junina Arrasta Pé. Além disso, também desenvolve trabalho com juninas de mais três estados brasileiros (Roraima, Tocantins e Alagoas) e faz parte da torcida do Boi Caprichoso, boi-bumbá que compete anualmente no Festival de Parintins. Desde criança, Sabbag se manteve envolvido em projetos culturais e expressões artísticas e, apesar de reconhecer as dificuldades para fazer arte em Imperatriz, permanece dedicado a divulgá-la a aqueles que têm menos acesso.


Em seus trabalhos, Sabbag busca contar a história de pessoas que são exemplos de vida para a humanidade a partir da encenação teatral, do repertório musical, das danças, do figurino, do resgate histórico e da identidade cultural. O tema central escolhido é decisivo para definir se o tom deve ser mais poético, realista ou moderno. “Isso é licença poética, aí vai se discutindo de uma maneira natural. Não tem um segredo, uma maneira certa de se contar”, comenta o diretor.  Em entrevista ao Zine Sibita, Sabbag explica suas influências, formação, a trajetória da Ruah, além de analisar o panorama da cena teatral e das juninas em Imperatriz e região. 


Zine Sibita: Como surgiu o seu interesse pelo universo das artes cênicas?

Victor Sabbag: Eu sempre fui muito incentivado pela família desde criança: estudei piano, fiz aula de pintura. A própria escola onde eu estudava também incentivava muito. Eu sempre era envolvido nas questões artísticas, projetos de poesia, música, teatro, cursos, então, eu já cresci com isso. 


Z.S.: A sua formação acadêmica é em Administração. Quando o Victor administrador percebeu que poderia ser também Victor diretor artístico de uma companhia?

V.S.: Na verdade, nunca teve essa separação. Quando eu estudava Administração, eu já fazia parte de companhia de teatro. A  arte sempre esteve presente como uma atividade financeira secundária, não como a Administração.


Para mim, a arte sempre continuou presente desde a adolescência, ela nunca foi separada.


Z.S.: Qual foi a sua inspiração para fundar a companhia Ruah?

V.S.: A Ruah não nasceu com o propósito de ser uma companhia. Foi uma junção de vários jovens, amantes de teatro e da música, que se juntaram como um grupo de teatro amador, um grupo artístico. À medida que a companhia foi crescendo e tomando forma, de fato, tornou-se uma companhia profissional, mas não era o intuito assim no início. Da junção de vários jovens e artistas aqui da cidade, de diferentes grupos e bairros, é que acabou nascendo a companhia.


Z.S.: Quais foram as dificuldades enfrentadas pela companhia no início?

V.S.: Eu acho que tanto no meio da Ruah, que eu faço parte, quanto nas juninas, que eu também dirijo pelo Brasil, a maior dificuldade na arte é a questão financeira mesmo. Por exemplo, durante o período junino trabalhamos com a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, mas há uma grande dificuldade. Grupos no início morrem justamente pela falta de incentivo financeiro. A Cia [Ruah], assim como a junina Arrasta Pé, a gente vai levando na raça, vendendo rifa, é com uma feijoada, com uma doação de uma pessoa aqui, de outra ali e, assim, a gente vai fazendo a nossa arte permanecer viva. Não é um trabalho fácil, é muita disposição e amor.


Z.S.: A Companhia Ruah tem cerca de 12 anos. Durante esse tempo de existência, como você percebe a construção da cena teatral no contexto de Imperatriz?

V.S.: Muitos grupos nasceram, muitos morreram, isso é muito triste, porque a gente sabe o quanto é difícil. A Ruah faz um espetáculo durante o ano e muita gente fala: “Por que vocês não fazem mais temporadas?” A companhia tem um custo muito alto para estar ali no teatro e nenhum de nós somos remunerados por isso, é um trabalho voluntário. Exige tempo, exige programação financeira e, com certeza, não há incentivo, não há nada. Na cidade de Imperatriz, infelizmente, é pouco incentivado. Sempre quando surge um grupo cultural, a gente tá incentivando, porque a gente sabe o quanto é difícil realizar. Como a gente diz, são contados nos dedos os grupos culturais de Imperatriz e os poucos que têm, muitas vezes, deixam de existir porque cansam de ficar mendigando para fazer cultura.


Espetáculos recentes da Cia. de Artes Ruah: O perfume da rosa (2023), O martírio de Auschwitz (2022), O grito dos oprimidos (2021), 25 minutos [espetáculo on-line devido à pandemia de Covid-19] (2020), Entre a cruz e a espada (2019), Vidas cruzadas (2018), Confissões (2017), Kowalska (2016), Teresa, a alma apaixonada (2015) e Eu Francisco, eu Clara (2014)


Z.S.: Como você vê a adesão das pessoas à cultura do teatro em Imperatriz?

V.S.: Eu acho que é muito complicado fazer arte. Além de a gente ter todo o trabalho para fazer e montar um espetáculo, muitas vezes precisa chegar nas pessoas e incentivar a irem ao teatro. Então, tem que fazer realmente um planejamento estratégico. Precisamos encenar as peças no começo de mês, que é quando as pessoas têm dinheiro. O valor do ingresso precisa ser acessível. A Ruah e, acredito eu, todas as outras companhias, também cobram um valor abaixo do que se vale o espetáculo. Então, a adesão do público depende muito. Quando a gente faz uma boa divulgação, precisa divulgar com meses de antecedência, para que as pessoas fiquem sabendo, se programem. Eu acredito que a população abraça, mas tem que vender esse produto, até isso a gente tem que fazer. Então, muitas vezes a gente cansa de fazer e não é só uma coisa de você lançar um cartaz e, pronto,  ali. Não, você tem que fazer propaganda, tem que ir na TV, dar entrevistas, ir pra rádio, rede social. E, ainda assim, tem gente que não fica sabendo da programação do teatro, principalmente, porque a população não busca. A gente que leva o teatro até eles.


Z.S.: O primeiro espetáculo da companhia foi Maria, senhora da paz (2012) e, ano passado, foi O perfume da rosa (2023). Como acontece o processo de produção desses espetáculos?

V.S.: Na verdade, é um trabalho de processo criativo, depende muito do tema. De acordo com a temática, vai sendo pesquisado o repertório, paleta de cores, estética, o tempo em que se passa. Seja no meio religioso, ou no meio junino, depende muito daquilo que a gente se propõe a contar dentro do tablado, em cima do palco. Agora, isso é muito relativo, se é algo mais poético, mais realista, mais moderno, então tudo isso influencia na escolha da estética do espetáculo.


Isso é licença poética, aí vai se discutindo de uma maneira natural. Não tem um segredo, uma maneira certa de se contar.


Z.S.: Você já trabalhou a vida de muitos “santos” abordando a questão da cultura, dos costumes da época, as cores, as roupas. Você acha que essa abordagem é uma forma de humanizá-los e trazê-los mais para perto do público?

V.S.: O nosso objetivo não é contar histórias de “santos”, começa por aí. É contar a trajetória de exemplos de vida. A gente não gosta de utilizar essa  palavra dentro da  Ruah: “A gente está contando a vida de um santo”. Porque isso “desaproxima" a pessoa de quem nós estamos contando. E nós não estamos contando uma história religiosa, estamos contando a vida de uma pessoa.


A Ruah sempre utilizou um repertório religioso, mas não é esse o nosso objetivo. O nosso objetivo é contar uma história.


Muitas músicas  são autorais, levam a pessoa a ter uma experiência espiritual, mas não é o objetivo de chegar e falar assim: “Olha, vocês vão escutar a vida desse santo com essa música da igreja”. Não, nosso objetivo é justamente quebrar com isso, sabe? Muitas vezes, a gente já ganhou muito público por a gente contar a história de Joana D'arc [Entre a cruz e a espada, 2019], por exemplo, que é uma personagem importante, tem uma história linda e fascinante, de quem se doou pela humanidade, pelo próximo. A respeito do repertório, a MPB [Música popular brasileira] é uma coisa que está sempre presente dentro da história da Ruah. A gente sempre engrandeceu os artistas, todo mundo que faz a Ruah ama a música e faz esse grande tributo.


Z.S.: Há quanto tempo você trabalha com a Junina Arrasta Pé? Comente sobre a construção dos temas.

V.S.: Faz três anos que eu estou na direção artística da Arrasta Pé. Essas obras que a gente levou para o tablado são todas biográficas, a gente veio trazer a vida de pessoas que já existiam. Já era a minha zona de entendimento, porque dentro da Ruah a gente conta histórias da vida de pessoas de vidas importantes, que são exemplos para toda a humanidade. E eu também queria trazer, dentro da Arrasta Pé, exemplos de pessoas que são importantes para a história da arte e da construção da identidade cultural do brasileiro. Então, foi aí que a gente teve essa ideia de falar sobre [a companheira do cangaceiro Lampião] Maria Bonita [Toda tua: pedaços de mim (2022)], por ter essa importância dentro da construção da identidade cultural nordestina. E de Carmen Miranda [Carmen-se: o rosto do Brasil (2024)], por essa importância para difundir a cultura brasileira pra todo o mundo. Foi assim que nasceram esses projetos. Apuã [Apuã: a Serra Pelada (2023)] já era uma encomenda fechada há algum tempo. Já era uma vontade do presidente [da Junina, Marck Rell Silva Santos] falar sobre Serra Pelada. Então, transformamos ela dentro de uma história que nasceu Apuã e que a gente já leva também essa identidade. Em Apuã, trouxemos essas questões do garimpo ilegal, do território indígena.


Eu acredito muito nisso: que a arte existe para ter uma mensagem, seja ela religiosa, de sofrimento, de alegria, mas ela precisa passar uma mensagem. Todo mundo com a sua vida tem algo a ser passado.


Z.S.: Quais são as outras juninas com as quais você também trabalha e como acontece esse trabalho?

V.S.: Eu trabalho com Alagoas, com Tocantins e com Roraima. Em algumas, eu dirijo duas quadrilhas. Na verdade, de direção artística, é só da Arrasta Pé, as outras são trabalhos de roteirização, a distância. Inclusive, esse ano, tive o privilégio de, no Concurso Nacional de Quadrilhas Juninas [evento que aconteceu em Taguatinga/DF], três estados que estavam representados eram com roteiros feitos por mim: Tocantins, Maranhão e Roraima. No quadro de colocações, a gente ficou em segundo lugar com a Junina Amor Caipira, de Roraima, e o roteiro feito por mim veio com a temática da questão de cordéis. Então, esse trabalho com essas juninas de fora é mais remoto, de roteirização, de assessoria em que a gente escolhe o repertório, eu dou as ideias de figurino. Eu não fico tão presente, porque estou de maneira remota, mas o trabalho de assessoria dá a condução do espetáculo deles, de acordo com o contato e o tipo de texto.


Teaser de lançamento do tema da Junina Arrasta Pé em 2023


Z.S.: Comente sobre a sua ligação com o Festival de Parintins.

V.S.: Desde pequeno eu sempre gostei da cultura do boi e quando eu era criança eu conheci o Festival de Parintins. E, ainda adolescente, eu passei a frequentar o Parintins. Desde lá, eu estive presente dentro do festival, seja como torcedor, ou nos bastidores, algumas vezes eu já tenho ajudado em alguns processos que são necessários. É parte de quem eu sou, sempre divulgo para que todas as pessoas possam conhecer. É algo que eu acho que todo brasileiro precisa ter essa experiência de conhecer, principalmente, o Boi Caprichoso, que é o que eu faço parte.


Z.S.: Durante o ano, você vai fazendo cursos ou especializações em teatro para ver o que está em tendência para poder aprimorar os espetáculos?

V.S.: Além da Ruah e da Arrasta Pé, eu também trabalho como ator em Belém (PA). Eu já estive em cartaz com vários espetáculos. Lá, em Belém, é onde eu posso realizar esse trabalho de ator e ser dirigido por uma companhia de teatro, por um outro diretor.


Aqui [em Imperatriz] eu realizo esse trabalho de direção, mas lá eu posso realizar esse trabalho de ator e eu me realizo também, porque eu gosto de atuar.


Eu gosto de estar no palco, de estar reconstruindo personagens, de tudo, e é basicamente isso. Em Belém, eu faço curso regular de teatro. Inclusive, é nele que a gente atua. A gente, nesse processo, tem feito várias montagens, lá [em Belém] eu não faço trabalho de direção. E essa reciclagem, esse processo de aprendizagem é muito importante. Dentro da Ruah, a gente sempre  fazendo esse intercâmbio, procurando estar fazendo reciclagem, os atores, os bailarinos.


Além de diretor em Imperatriz, Sabbag também exerce a função de ator em Belém, Pará. (foto: Victória Teixeira)


Z.S.: Dentre os espetáculos que você já dirigiu, qual o que mais lhe marcou?

V.S.: Olha, eu acredito que, tanto dentro da Ruah quanto dentro da Arrasta Pé, teve dois espetáculos que, particularmente, me marcaram muito. Na Ruah, a gente chegou a contar a vida de Teresa de Ávila [Teresa, a alma apaixonada (2015)], padroeira de Imperatriz, foi um espetáculo que trouxe a cultura flamenca, que eu sou apaixonado. Então, me marcou muito e também a Ruah porque foi um tempo de mudança que a gente passou. Dentro da Arrasta Pé, o espetáculo que eu acho que marcou muito foi Toda Tua (2022), ele foi um divisor de águas, foi a minha estreia. Inclusive, eu queria muito fazer essa comparação. Quando eu estreei dentro da Arrasta Pé, eu vim tentando separar o Victor da Ruah e o Victor Arrasta Pé. São dois trabalhos diferentes, eu queria trazer estilos diferentes. Então, eu acredito que são dois projetos que me marcaram e que foram viradas de chave nesses dois grupos.


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