"A arte provoca tua mente"
Zeca Tocantins e o poder artístico transformador
Jeciane Chaves
Lívia Santos
Solange Oliveira
Zeca Tocantins abriu as portas de sua chácara em entrevista. (foto: Yara Medeiros)
“Sempre gostei de arte. Gosto de coisas que você luta pela perfeição, transpira, se inspira e se aprofunda pra saber até que limite você tem”. Cantor, compositor, poeta e contista, José Bonifácio Cezar Ribeiro, ou como é mais conhecido, Zeca Tocantins, acredita que as manifestações artísticas têm um poder transformador na vida das pessoas. “A arte tem a sua função. Não é só pra cantar, eu quero dizer uma coisa. Nem que eu esteja dizendo errado, mas eu quero dizer”.
O artista concedeu uma entrevista a um grupo de estudantes de jornalismo da UFMA em sua casa, uma chácara que também abriga a Galeria Neném Bragança, em Bela Vista (TO), próximo ao rio Tocantins, que tanto lhe traz inspiração. Autor de 14 livros de poesias, contos e crônicas, além de ter lançado cinco discos, Zeca é membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras, ocupando a cadeira 29. Já foi presidente, por dois mandatos, da Associação Artística de Imperatriz (Assarti) e do Sindicato dos Músicos da Região Tocantina e hoje coordena a Fundação Rio Tocantins-Memorial do Pescador.
Sentidos abertos
Nascido em maio de 1958, em Xambioá (TO), se mudou para Imperatriz (MA) em 1963, quando tinha cinco anos de idade. Zeca foi o primeiro artista da família, mas, mesmo assim, conta que a maneira como foi criado o influenciou para que ingressasse nesse universo. Na sua infância ocorria todo ano, na cidade natal, a Desobriga do Divino Espírito Santo, uma tradição da igreja católica. A parteira presente na festa já alertava sua mãe a respeito do futuro daquele menino, como lhe contaram depois. “Ela dizia pra minha mãe: ‘Olha, esses cantos e essas caixas vão ter muita influência na vida dessa criança’. Em virtude de eu estar nascendo e os cantos e o Divino estarem passando com as cantigas”.
Foi com o pai, o pescador e garimpeiro Raimundo Lopes Barra, conhecido como “Seu Cametá”, por ter nascido na cidade paraense, que Zeca Tocantins aprendeu a ouvir música. Ele relembra que toda sua família sempre gostou de participar de eventos e assistir espetáculos, o que o proporcionou um contato com a arte desde muito cedo. “Na minha família não tinha esses artistas, mas tinha essas pessoas com essa paixão enorme, que sabiam escutar”.
A participação de Zeca Tocantins no movimento teatral de Imperatriz, que foi bastante ativo no final dos anos 1970, marcou um ponto importante de sua formação artística. Além de ter dirigido e atuado em espetáculos teatrais, escreveu as peças Imperatriz por um triz, Mistérios do Bico e Amigo tem que ser amigo. Após esse período, no qual integrou o grupo Príncipe Teatro de Imperatriz (Pritei), resolveu dedicar-se, além da literatura, à música, ao canto e composição, fundando, ao lado do cantor Neném Bragança (1960-2015), o grupo Trempe de Barro e depois atuando como artista solo.
Gravou cinco discos, entre os quais se destaca Cio do homem (1993), com 10 canções de sua autoria, além de Terreiros de todo canto (2000), Mestiço (2002), Duas faces (2010) e Tô chegando (2017). Os seus livros de poesia, Calumbi (1990) e Gotas de sol (1996), venceram o Prêmio Gruli de Literatura e Caminhos de nós (1998), o Prêmio da Academia Imperatrizense de Letras. Sua obra poética inclui também Moinho (1992), Colhedor de manhãs (2003), Dialética do silêncio (2007), Curandeiras (2012) e O último trem (2015), uma homenagem ao grande amigo e parceiro musical Neném Bragança, que faleceu naquele mesmo ano, Interior da gente (2019) e Pé de poemas (2021). Destacam-se também, em sua obra literária, os contos de Dez contos de Pulinário (1994) e Banzeiros (2001), as crônicas de O outro lado da ponte (2010) e as reflexões de Pequeno ensaio sobre cultura, arte e criação (2006).
Arte no cotidiano
Artista apresentou músicas inéditas durante a entrevista. (foto: Lívia Santos)
Zeca acredita que o seu processo criativo é resultado do contato com o que lhe faz bem, como conviver intensamente com a natureza, assistir espetáculos, manter um bom ritmo de leitura e cultivar a arte em seu cotidiano. “Quem come arte, arrota arte”, diz. Para ele, a música e a escrita são saberes que dão a sensação de luz própria, a capacidade de ver, saber e fazer tudo que é possível. "A consciência de você ter o direito de ser quem você quiser ser", resume.
Na canção mais recente de sua autoria, “Meu mundo”, que lançou no YouTube em setembro, com um clipe repleto de imagens da natureza da região dirigido por Laurentino Rocha, está bem demarcada a sua preocupação com o meio ambiente e a esperança na confraternização humana: “Esse mundo é meu/ é meu/ É meu, sim senhor/Foi me dado de bom grado pelas mãos do criador”. Zeca afirma, na mesma música, “que a mãe natureza purifica o ar/sem poluição, a vida faz festa no palco da terra/o homem se afasta dos males da guerra/o amor ganha força gerando união”.
O escritor e compositor é reconhecido pela sua postura de cobrança por um espaço mais digno para a expressão artística em Imperatriz e lamenta que “as pessoas não valorizam a nossa cultura”. A Galeria Neném Bragança, criada no quintal da sua chácara, vem sendo palco de eventos quinzenais, com cantores e compositores do Maranhão e outros estados, como Erasmo Dibell, Marcos Lucena, Gildomar Marinho, Pedrinho Callado e Lena Garcia. “Dizer que tudo é cultura é construir o caos. Sempre haverá uma cultura predominante em cada cidadão, em cada comunidade. E cada aspecto diferenciado impulsiona sentimentos também diferentes”, reflete.
No poema “Caderno”, do livro Pé de poemas, Zeca Tocantins aborda seu processo criativo: “De tanto me escrever/tornei-me caderno de poesias/Algumas são pequenos rascunhos/com sonhos de crescerem/e serem amadas/Outras, adultas/elegantes, escondem/as cicatrizes no sorriso”. Já em “Arame”, na mesma obra, desabafa sobre as agruras da vida artística no Brasil: “O arame suspenso desafia/o equilíbrio do artista/manter-se de pé é a consagração.”. E, nos últimos versos, conclui: “Mas a arte é amiga/da perfeição e o artista sabe/que são os aplausos/que consagram o fazer artístico”.
Ele aproveita para abordar a importância social da arte como meio de expressão. Sua trajetória tem sido marcada por iniciativas como a criação da I Feira de Livros de Imperatriz, hoje o Salimp (Salão do Livro de Imperatriz), um dos maiores eventos literários do Maranhão. Ele também foi o idealizador do Festival de Música de Imperatriz (FMI), o único que estimula a participação de canções autorais. Recentemente formado no curso de pedagogia, coordenou os projetos Arte e Cidadania nas Escolas e Canto Coral, Flauta Doce e Violão.
"Nossas vivência foram aos poucos sendo deslocadas das coisas bonitas", reflete Zeca, que se preocupa com o futuro da geração atual. Com os projetos da Fundação Cultural de Imperatriz que desenvolveu, visitando 90 escolas e distribuindo 10 mil livros e centenas de CDs de artistas locais, ele procurou estimular que os jovens tenham contato com as diversas expressões artísticas, podendo desenvolver seus talentos: “O mundo tem que ser melhor e tem que ser melhor porque eles vão fazê-lo melhor”.
Comments