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Moda afro: identidade, arte e resistência

Rosélia Moreira conta como criou a marca Crioullos


por Bruno Gomes


Cores, texturas, linhas e formas são os processos trabalhados à mão no artesanato. Ao relacionar esse universo ao empoderamento afrodescendente, é possível observar a força e expressão por meio de peças que testemunham a ancestralidade, contemporaneidade e resistência. Artesã e modista, Rosélia Costa Moreira, 43 anos, distingue-se pelas criações que utilizam materiais marcados pelo símbolo da identidade africana na sociedade. “Como uma mulher negra, sentia a necessidade e a vontade de usar algo que me representasse”. Com essa motivação ela criou, em 2016, a marca Crioullos Moda Afro.


Rosélia trabalha com tecidos originais da África, como o kenté e o samakaka. (fotos: Bruno Gomes)


A artesã de tecidos Rosélia Costa tem memórias negativas do passado. Sua infância foi sublinhada pelo preconceito e a opressão por parte dos próprios parentes. “Fui criada com minha tia, irmã do meu pai, e fui muito usada. Eu era tão massacrada que não me sentia digna de ser amada e cuidada.” Ela acreditava que o motivo dos maus-tratos eram os seus traços étnicos. Em 2010, já adulta, iniciou sua autodescoberta como mulher negra e abandonou os padrões que a sociedade ditava como bonitos e certos. 


Quando começou a usar turbante, em 2016, Rosélia reforçou sua identidade negra. “Adotei esse estilo para mim e ia para os lugares, as pessoas falavam: ‘Nossa, nunca vi, que lindo. Que bacana’. ‘Acho bonito, mas não tenho coragem’. ‘Você usa cabelo natural, que legal!’ ‘Eu não tenho coragem de usar cabelo natural. Meu cabelo é muito feio’”, relata. Isso despertou o desejo de mostrar aos outros a beleza das características naturais.


Com o objetivo de convencer as pessoas ao seu redor de que ser negro era motivo de orgulho, ela teve a ideia de comercializar produtos autênticos importados da África.


“Consegui os tecidos originais. Apesar de nunca ter ido pessoalmente a esse país, tenho esse sonho. Estou me organizando para dar certo. Quero buscar referências onde a cultura africana é original”.


Após um ano, Rosélia pediu demissão de um emprego formal e decidiu viver de sua empresa, a Crioullos. Para se aprimorar, fez um curso no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de costureiro sob medida, área que ensina a criar e fabricar peças de roupa, desde o molde até a costura.



Modista diz que deixa a sua criatividade fluir ao longo do seu processo criativo. (foto: Bruno Gomes)


Rosélia sempre teve o objetivo de embelezar a mulher negra, fazê-la se sentir orgulhosa. Começou em maio de 2018, mas já trabalhava com a Crioullos desde 2016. O curso foi para se aprimorar, mas já tinha experiência com sua loja antes disso.


Ela explica que, inicialmente, o objetivo não era vender, mas estimular o empoderamento por meio da estética negra. A artista apresentou seus primeiros trabalhos em várias instituições de ensino, como a Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), e o Instituto Federal (IFMA), além de shoppings localizados em Imperatriz. Nas exposições, ela percebeu o quanto as pessoas se interessavam pela moda e pelo artesanato afro-brasileiro.


Diante do sucesso, surgiu o interesse em criar uma loja de roupas e acessórios artesanais. Para se aperfeiçoar na área, está cursando a graduação em Design de Moda, profissão de quem desenvolve roupas e acessórios combinando estética, funcionalidade e tendência, pela faculdade Anhanguera, no formato a distância (EAD). Rosélia espera trazer mais referências da moda afro-brasileira para os seus trabalhos com essa nova formação. 


Processo criativo e representatividade


O trabalho resulta em peças únicas e personalizadas, que possuem valor interpessoal, artístico e cultural. “Olha, é uma mistura. Claro que tem algumas inspirações, mas a maioria das minhas peças são autorais. Eu deixo a minha criatividade fluir naturalmente. Aí, eu vou fazendo”, frisa.


No caso das camisas que faz por encomenda, permite que o cliente escolha a cor, mas as demais decisões ficam por sua conta, e ela garante acertar todas as vezes os gostos. Rosélia explica as particularidades dos tecidos originais que trabalha. O Kenté, nas palavras, é histórico e bem conhecido, porque é original de Gana. “Antigamente, só os reis usavam”, informa. Já o Samakaka, representa o povo Muíla, originário do sul de Angola.


Como toda arte, é necessário um tempo para ser elaborada. “Dependendo da quantidade, eu posso finalizar uma peça em um dia ou em um dia e meio”, afirma Rosélia. Ela mantém a exclusividade de cada uma delas na confecção e não cria várias a partir do mesmo tecido. A fabricação é manual, o que torna o processo mais demorado em comparação com uma produção em massa. “Os tecidos são os materiais com que trabalho”, descreve a artesã. Em algumas peças ela adiciona artigos para torná-las mais ricas e alinhadas.



Rosélia acredita que a representatividade é uma marca do seu trabalho (foto: Bruno Gomes)


Há nove anos em funcionamento, a Crioullos Moda Afro segue como símbolo de resistência, um estabelecimento que não tem muita comercialização na região. “As pessoas diziam: ‘Isso não dá dinheiro, isso aí não tem mercado’. É tão claro que ninguém abriu uma loja semelhante à minha.” Ela nunca esperou que seu trabalho tivesse a repercussão atual, mas no início, a preocupação era levar sua mensagem em seus itens.


“Sei que quando alguém vem e consome meu produto, está se autodeclarando. Ninguém consome um material desse por consumir”, comemora.


Ela pontua que a loja é ainda mais procurada em novembro, mês da Consciência Negra. A data homenageia Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, valoriza a cultura afrodescendente e conscientiza sobre os problemas causados pelo racismo.



"Ninguém consome um material desse por consumir”, comenta Rosélia. (fotos: Bruno Gomes)


A artesã reflete sobre a versatilidade das mulheres. “Bom, é assim como toda mulher, faz mil e uma coisas”, reconhece. Ela ressalta a capacidade multitarefa, explicando que, apesar de não ser mãe, gerencia uma casa com uma família grande, estudos e trabalho. “Eu me viro como posso”. Além disso, Rosélia viaja para São Luís uma vez por mês, para gerenciar a loja em funcionamento há dois anos na ilha. A artista pretende expandir a Crioullos no futuro e levar a representatividade de sua marca para outros estados. “A gente vai descobrindo a melhor forma, mas meu intuito é esse”.


Rosélia trabalhando em um dos seus turbantes. (vídeo: Bruno Gomes)

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