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Resiliência e ritmos ancestrais: a inspiradora Ruaní

Cantora e compositora explora suas origens para conquistar espaço


por Pedro Henrique


Olhar penetrante de Ruaní, que fala muito de sua história. (foto e produção: Wenner Davisson e Anderson Mateus)


Desde cedo, a música desempenhou um papel central na vida da cantora e compositora de 33 anos, que é mulher preta, educadora e mãe, Jessica Ruane Lima de Oliveira, conhecida como Ruaní. Ela nasceu em Imperatriz, Maranhão, em um lar com ambiente musical vibrante, com pais que promoviam rodas de violão. Começou a cantar profissionalmente há 15 anos e se tornou compositora há quatro. Agora, ela está em meio à produção de um álbum que será lançado em breve, Guiança, elaborado a partir de suas origens afro-brasileira e indígena, refletindo sobre os desafios e as vitórias de sua trajetória.


Nesse trabalho, Ruaní e sua produtora musical, Dessa Ferreira, estão integrando elementos tecnológicos modernos com ritmos e percussões tradicionais afro-brasileiras e indígenas. Essa fusão cria uma sonoridade única, que ressoa com as audiências contemporâneas sem perder as raízes culturais. O tambor é um elemento essencial nas músicas, simbolizando a conexão com os ancestrais e a espiritualidade afrodescendente. Os ritmos percussivos são a alma de suas composições, trazendo à tona a herança que ela carrega com orgulho.


O EP Guiança é composto por quatro faixas, a maioria delas retratando as Yabás, orixás de espectro feminino. Uma das canções, "Me lava, Oxum", foi inspirada durante um período de muitos desafios, enquanto Ruaní estava na Aldeia do Leão, na Chapada das Mesas. A cantora descreve que se sentiu lavada por Oxum, uma mãe sagrada, e que a música surgiu com letra e melodia completas.


Outra faixa, "Dona Iansã", apareceu enquanto ela observava uma tempestade se formar de sua varanda, tocando seu djembe, um tipo de tambor africano. A letra fala sobre a cooperação entre Iansã e outras Yabás, principalmente Nanã, a orixá primordial. "Vem da minha espiritualidade toda a minha inspiração artística", confirma a cantora. Todas as suas músicas são criadas dessa maneira, recebidas como presentes espirituais, e ela sente muita alegria em compartilhá-los a partir de sua arte.



Ruaní descreve suas canções autorais como “vindas de uma influência espiritual afro-brasileira e indígena”. As melodias e letras costumam surgir completas, como se fossem entregues pela sua espiritualidade. Um dos momentos mais transformadores de sua carreira foi a gravação do álbum em São Paulo, ocasião em que trabalhou com artistas respeitados, como as Caixeiras do Divino.


"A música é uma ferramenta muito forte de assimilação. Então, às vezes, o que você não consegue através da fala ou da escrita, consegue por meio da música. Trazer essas informações que são tão importantes para o respeito e para a não intolerância religiosa", compartilha.

Ruaní em seu momento espiritual. (foto e produção: Wenner Davisson e Anderson Mateus)


Percursos


O maior desafio enfrentado por Ruaní, como menciona, é a questão financeira. Ser uma artista independente no Brasil é uma tarefa árdua, devido aos altos custos de gravação, distribuição e divulgação de músicas. Além disso, a falta de apoio emocional e de crença por parte das pessoas ao seu redor adicionou uma camada extra de dificuldade.


Para superar esses obstáculos, recorreu a um financiamento coletivo para a produção do álbum, participou e venceu dois editais importantes e encontrou aliados ao longo do caminho. A terapia e a espiritualidade também foram fundamentais para superar a falta de apoio emocional, ajudando-a a acreditar em si mesma e em sua missão artística.


"Eu sempre tento realçar essa cultura de uma forma positiva, forte, e que traga orgulho para os ancestrais. Mas também que traga esse empoderamento para as pessoas que vivem na Terra hoje", afirma a compositora.


Ruaní posa tendo ao fundo elementos que remetem à sua origem. (foto e produção: Wenner Davisson e Anderson Mateus)


Ruaní foi influenciada pelos gostos musicais de seus pais, que variavam da MPB até o pop dos anos 1980, além de clássicos da década de 1960 e 1970, como Beatles e Elton John. Essas experiências moldaram seu gosto musical, formando a base de sua identidade artística. "Ser artista é ser político. Eu busco produzir a minha arte de acordo com os meus princípios e os meus valores", explica Ruaní.


Ela se dedica a preservar e promover a cultura e as tradições africanas por meio de sua expressão artística. Incorpora elementos como o Terecô e a umbanda em suas músicas, buscando diminuir o preconceito e a rejeição que ainda cercam a cultura afrodescendente no Brasil. Suas composições representam uma celebração da ancestralidade e um meio de despertar a consciência da comunidade preta.


Ruaní e os instrumentos do toque de Terecô. (foto e produção: Wenner Davisson e Anderson Mateus)


Além da música, Ruaní promove a cultura afro-brasileira por meio da educação. Como mestre em educação e historiadora, ela incorpora elementos culturais em suas aulas, seguindo as diretrizes curriculares para enriquecer a experiência educacional de seus alunos.


“As minhas aulas são permeadas dessa herança e eu realmente sigo a lei do ensino africano e indígena dentro de sala", ressalta.




A representatividade afro na indústria musical e também na educação é crucial para Ruaní, que vê a presença de artistas afrodescendentes como um elemento fundamental para a identificação e inspiração de novas gerações. Por meio de sua arte, contribui para aumentar a visibilidade e a valorização da cultura afro-brasileira, enfrentando os desafios de uma indústria ainda marcada pelo machismo e pelo preconceito.

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2022 - Zine Sibita. Revista Cultural dos Estudantes de Jornalismo - UFMA - Imperatriz.

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