A cara preta de Imperatriz
Raízes afro buscam valorização
Jeciane Chaves
Lívia Santos
Solange Oliveira
Conhecer, valorizar e preservar a história e a cultura afro-brasileira é oferecer possibilidades de perpetuação. Alguns espaços de Imperatriz, como o grupo de dança Kizomba, Museu Afro-Indígena e o Centro de Cultura Negra Negro Cosme (CCN), são representativos das culturas negras existentes na cidade. São iniciativas para estimular a aceitação dos patrimônios culturais que legitimam uma origem africana e despertar a possibilidade de encontrar-se negro ao reconhecer a cultura afro.
Maristane de Sousa Rosa Sauimbo, fundadora e idealizadora do Museu Afro-Indígena da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), explica seu interesse por estudar a história da África. Todo o seu currículo demonstra a paixão pela cultura negra e a tentativa de deixar em evidência a "cara preta de Imperatriz", como ela frisa. "Minha trajetória de vida, minha trajetória familiar de afro-indígena e conviver com o preconceito racial desde a minha existência, tudo isso é motivação”.
Maristane Sauimbo, coordenadora do NEAI, recebeu máscaras da África do Sul para compor o acervo do museu. (foto: Ascom Uemasul)
Maristane possui graduação em História e mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural. Atualmente é professora assistente da universidade e coordena o Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas (NEAI). Pesquisa História da África e suas diásporas, com destaque nos temas Caribe, rastafarianismo, dreadlocks e reggae. Seu objeto atual de estudo é a história dos penteados africanos, que se conecta com a sua ancestralidade.
Ao entrar no ensino médio, os episódios de racismo familiares e pessoais foram acentuados, conforme lembra a pesquisadora. “Meu bisavô era indígena, e o apelido dele era Manoel do Cabelo Bom. Daí vem mais uma vez a questão racial, ao se casar com uma negra”. Manoel virou patrimônio familiar e seus herdeiros ficaram conhecidos como a “família do cabelo bom”. Esses aspectos fizeram Maristane se interessar pelos estudos dos diferentes estilos de cabelos africanos.
Sua perspectiva em relação à realidade da cultura afro em Imperatriz vem do Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas. “O Neai sempre foi empenhado em uma qualificação dessa identidade afro de Imperatriz, sempre foi claro que há uma identidade negra e indígena nessa região”. Ao se aprofundar nos estudos africanos, Maristane ressalta que fica perceptível a negação social, em Imperatriz, da existência da presença negra.
“O que se chama de patrimônio imaterial e material silencia que naquele local tem a presença negra. Um exemplo muito claro disso é a panelada: existe um apelo de que ela seja o nosso patrimônio”, analisa a pesquisadora.
A coordenadora acredita que para haver a valorização da negritude em Imperatriz, é preciso começar pelo conhecimento. "O processo de educação é fundamental, construir espaços de cultura que possam mostrar uma pluralidade étnica e social. Precisamos desses espaços como local de aprendizagem", ressalta Maristane.
Um dos locais para ajudar nessa conscientização é o Museu Afro-Indígena, projeto concretizado a partir da lei municipal de patrimônio, incentivada pelo Neai. Exemplo das ações desenvolvidas é o projeto de extensão Patrimônio Afro-indígena de Imperatriz, que consiste em realizar, em escolas, palestras sobre africanidade e o cinema afro para "mostrar aquela África que foge dos estereótipos". Maristane acredita que é essencial discutir a respeito da africanidade de Imperatriz: "Falar da ancestralidade, falar da sua própria negritude, de problemas sociais, e da sua descendência indígena".
O NEAI exibe na entrada pinturas que valorizam a cultura afro. (fotos: Solange Oliveira)
Dança e conscientização
Integrantes do grupo de dança Kizomba revelam a necessidade de aumentar espaços para valorizar a cultura afro. Thayanne Cristine Diniz Pontes, uma das componentes, ressalta que o trabalho está apenas começando. “Ainda falta muito para que tenha uma maior abrangência, sobretudo nas escolas e em comunidades carentes”, pondera. Mas aponta que por onde passam há boa aceitação.
“O nosso grupo tem se mantido de pé e levado essas danças, mesmo que para uma parte pequena da comunidade imperatrizense, para aqueles que querem conhecer, dançar e aprender".
Grupo ampliou o repertório e, além do cacuriá, apresenta o coco, maculelê, lundu, ciranda e a dança do Lili. (fotos: divulgação)
O Kizomba surgiu em agosto de 1997, tendo como coordenadores, na época, a professora Maria do Amparo e Wilson Chagas. A ideia veio de Wilson, que antes morava em São Luís, capital do Maranhão, e veio trabalhar em Imperatriz. Em uma conversa com Maria do Amparo, concordaram que era necessário apresentar algo diferente para a região Tocantina, que resgatasse a tradição cultural maranhense, principalmente ligada à raiz afro. Decidiram então pela "Dança do Cacuriá".
Os integrantes que faziam parte do grupo na época participaram de uma oficina de danças típicas e fizeram apresentações em festivais da comunidade. Atualmente, só Maria do Amparo ainda faz parte do projeto. O grupo ampliou as danças e, além do cacuriá, apresenta o coco, maculelê, lundu, ciranda e a dança do Lili, todas expressões afros originadas em comunidades negras.
O cacuriá é uma dança típica da cultura popular do Maranhão e agrega outros ritmos, como o carimbó, o bumba meu boi, além dos compassos das caixas da Festa do Divino Espírito Santo. Os participantes geralmente executam passos cheios de malícia e sensualidade, movimentando bastante os quadris, em pares, enquanto as letras das músicas contribuem com o clima geral, focando no duplo sentido. A dança é associada a Almerice da Silva, mais conhecida como "Dona Teté”, ícone do movimento.
Desde 1977, o Kizomba busca manter a dança afro viva. (foto: redes sociais do grupo)
As roupas utilizadas nas danças são combinadas: as mulheres com uma blusa curta, parecida com um cropped e saias compridas, que vão até os pés, e normalmente fitas, enfeites em geral. Já os homens, um colete feito com as mesmas paleta de cores delas e calça.
"Com relação ao grupo Kizomba, acredito que contribuímos muito com a cultura e com a manutenção de danças que não são muito conhecidas e trabalhadas nas escolas, como o cacuriá. O grupo vem tentando manter essa e outras danças vivas”, explica a dançarina Renata Lobato Viana.
Andréia Nunes Ferreira dos Santos, dançarina do Kizomba, reforça que ainda é necessário um trabalho maior, além do campo escolar e dos movimentos de conscientização, sobre a importância da cultura afro para o desenvolvimento da cultura brasileira. “Existem muitas barreiras devido ao racismo gritante. Criam-se muralhas impedindo a naturalização da cultura afro como foi com a cultura europeia ao longo da história", ressalta.
CCN
Outro espaço da cultura afro em Imperatriz é o Centro de Cultura Negra Negro Cosme (CCN), instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, que é outro expoente em Imperatriz na busca pela igualdade racial. O centro foi fundado em 27 de março de 2002, mas sua história começa na década de 1990, com a chegada de professores negros, que trabalhavam na educação da rede pública, municipal, estadual e universidades e outros componentes locais.
Desde então, o centro vem promovendo ações com intuito de ampliar a visão regional e abrir caminhos para a inclusão dos negros na sociedade imperatrizense, além de promover a consciência e a cidadania negra.
O centro carrega em seu nome uma homenagem a Cosme Bento das Chagas, um dos heróis da revolta Balaiada no Maranhão, movimento rebelde contra os grandes proprietários agrários da região ocorrido entre os anos 1838 e 1841. Negro Cosme foi líder dos negros fugidos que fundaram o quilombo Lagoa Amarela, em Chapadinha-MA.
Atualmente, o centro tem como presidenta a professora Francisca Parente Mesquita, graduada em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e professora da rede pública de Imperatriz. A vice-presidência é de Domingos de Almeida, jornalista, ator, escritor e doutor em Mídia e Cotidiano.
Entre as principais atividades está a manutenção da Companhia Afro de Teatro Reinvent'arte, no Centro de Ensino Urbano Rocha e um curso livre de teatro, na modalidade extensão, na Uemasul. O espaço virtual Afroterapia, para troca de saberes e acolhimento da população negra por meio da terapia, medicina africana e práticas integrativas e holísticas de saúde é outro destaque.
“Além disso, estamos em vias de iniciar os cursos na Estação Tech, que conseguimos junto a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia Inovação (SCTI)”, informa Domingos. Esta última iniciativa atenderá crianças, jovens e adultos que se autodeclaram negros e negras, residentes dos bairros Leandra, Caema, Bacuri e Beira-Rio, com a implantação de centros descentralizados de capacitação em inovação tecnológica. Também são comuns as palestras e formações em escolas, faculdades e universidades.
Domingos de Almeida pondera que existe uma demanda grande por ações voltadas para essa temática, embora o envolvimento da sociedade ainda seja pontual. “A maioria das pessoas só buscam a gente no mês de novembro, que é o Mês da Consciência Negra. É como se a negritude só existisse no mês de novembro”, lamenta Domingos. Esse é um imaginário que o CCN vem buscando desconstruir a partir de atividades realizadas o ano inteiro.
Domingos lembra que 74% da população do estado são pessoas que se autodeclararam negras no Censo 2010 e ainda não há dados disponíveis nesse sentido com relação à pesquisa mais recente.
“Então, assim, não tem como surgir desse grande número de pessoas uma cultura que não esteja atrelada à cultura negra”.
Domingos acredita em passos simples para valorizar a cultura afro na cidade: “Olhar para o outro como ser humano”. Ele ingressou no CCN como militante, durante sua graduação em Jornalismo na UFMA de Imperatriz. Desde o primeiro contato com o centro, ao assistir uma entrevista da professora Izaura Silva, uma das fundadoras e presidente na época, já sentia que ali era o seu lugar: “Quando eu vi a entrevista dela eu falei: ‘Gente, é aí que eu quero estar, é com essas pessoas que eu quero estar conversando, me inteirando'".
Domingos de Almeida em apresentação comemorativa dos 21 anos do Centro de Cultura Negra. (foto: divulgação)
Domingos ressalta a importância e o impacto que o CCN tem na vida das pessoas, mesmo que não sejam membros do centro. “Você vê as pessoas que comentam, se colocam, se portam e se defendem como pessoas negras. O resultado pra gente é muito prazeroso, porque a gente tá sofrendo ali, mas vê que na hora do sofrimento tem alguém que aparece e pega na mão, que leva e ajuda. A voz da gente não está mais sozinha, nunca foi sozinha, na verdade se multiplica”.
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