“A Trópico sempre focou em inclusão e diversidade”
Produtor cultural Cambraia descreve a trajetória da festa e da produtora
Naum Gomes
Francisco de Almeida, o Cambraia, partiu de uma insatisfação pessoal com relação à escassez de opções de lazer para o público LGBTQIAP+ em Imperatriz, para junto do fotógrafo Jefferson Carvalho e a DJ Juliana Alba, criar, em 2016, a festa Trópico. Inicialmente limitada à uma lista de convidados, com o passar das edições o evento foi se abrindo cada vez mais ao seu público-alvo. Acabou tomando a proporção de produtora e hoje arrebata a região Tocantina, sendo também uma plataforma para o lançamento e valorização do trabalho de artistas do cenário local.
Com gêmeos como signo solar e virgem como ascendente, Cambraia incorpora criatividade e organização ao comprometimento com seu público. Sempre levantando com orgulho a bandeira de todas as cores, a Trópico já teve 27 edições nos seis anos de existência. Abordou os mais diversos temas, focando em inclusão, respeito e diversidade. Em entrevista ao Zine Sibita, o produtor cultural Cambraia conta toda a história de afirmação da Trópico e traça planos para 2023.
"Percebi que o público LGBTQIA+ precisava de uma diversidade de eventos." (foto: arquivo pessoal)
Zine Sibita: Conte com detalhes como a Trópico foi evoluindo de uma festa para uma produtora.
Cambraia: A Trópico começou do desejo de três amigos de criar um evento que fosse compatível com os gostos musicais e o comportamento da comunidade LGBTQIA+. Em 2016, o público jovem da região estava muito carente de eventos dentro da realidade do que aquela galera estava pensando. Já existia um movimento em Imperatriz, mas era mais fechado, não era encorajador, acabava escondendo um pouco o público. Fizemos o primeiro evento da Trópico fechado, para os amigos, o que já despertou o interesse de outras pessoas. Na segunda edição, percebemos uma maior procura de um público que não era dos amigos e não tinha sido convidado. Daí, na terceira edição, a Trópico Teenage Dream [sucesso de Katy Perry], a gente entendeu, de fato, que a festa já tinha virado comercial. No começo eram festas voltadas sempre para essas temáticas de divas pop e daí foi quando a Trópico, de fato, começou a entrar no formato de produtora. Foi entrando para o lado mais administrativo e hoje eu sou o produtor da festa, o Jefferson é o fotógrafo oficial e a Juliana fica com a idealização de formatos. Com esse crescimento que vem desde que a festa se abriu, é que a gente adequou os temas. Aumentamos o público de fato, com várias edições, como a Trópico Junina, Trópico After de Cavalgada, entendemos que a Trópico não era uma festa em si. Era uma produtora que produzia vários eventos, de vários formatos, mas sempre voltados para a atenção ao público LGBTQIA+.
ZS: A Trópico, hoje como produtora, se consolidou como um movimento da Região Tocantina, esgotando lotes de ingressos em questões de minutos. Na sua visão, por que isso acontece?
Cambraia: Tem a ver com a junção de várias coisas. Do lado comercial, o fato de sempre querer melhorar o evento em todos os aspectos e deixando ele mais atrativo. Mas o principal foi construir um ambiente que faça as pessoas se servirem do entretenimento de forma segura, e livres pra expressar o que elas realmente são. Eu entendi que a camada LGBTQIA+ precisava de uma diversidade de eventos que abraçasse a sua diversidade de público, e não de uma festa de um estilo só. Daí a ideia de agregar outras propostas e fazer dela, assim como uma produtora, uma plataforma.
ZS: Sendo uma produtora voltada pro público LGBTQIA+, quais são as inspirações por trás da Trópico?
Cambraia: A inspiração inicial foi o termo “Trópico”, geograficamente falando, que divide o mundo em duas partes (trópicos de Câncer e Capricórnio). A ideia era dividir nosso histórico também em dois momentos, o antes e o depois da Trópico, por isso o nome. A Trópico trabalha com uma infinidade de referências, desde o cenário pop no geral, nacional e internacional, à nossa cultura local. Mas a inspiração vai ser sempre a liberdade de acontecer, de abraçar e transmitir um ambiente seguro para o nosso público, e de claro, ser frequente como qualquer outra forma de entretenimento.
ZS: Qual é a responsabilidade social do seu trabalho como produtor de eventos?
Cambraia: Eu acredito que, dentro do meu segmento, é transformar esse espaço/atividade em uma frequência livre de questionamentos e medo. Se dentro de seis anos conseguimos fazer a Trópico ser uma festa que pode acontecer hoje em diversos locais, o que era difícil no começo, no futuro conseguiremos bem mais. Não somente em relação a festas em si, mas sim na vida, de forma a impactar a nossa realidade social, impactar narrativas, intervir em questões sociais.
Z: Lembre dos perrengues e das vitórias que marcaram essa trajetória.
Cambraia: Hoje eu digo que a Trópico é minha. Foram inúmeros perrengues, mas fui eu que botei a cara a tapa em todos. Eu é que tirei décimo terceiro junto com férias no trabalho para poder cobrir prejuízos financeiros por conta do cancelamento de uma das festas. Como eu fiz esse sacrifício todo, entendo que isso é meu. Mas eu tenho uma camada de pessoas que me ajudam totalmente, que fazem parte dessa história, dessa equipe. E foram inúmeras situações: evento cancelado, contratante que não entregou material na hora, som que não foi entregue no momento, bebida que foi entregue atrasada, quase duras horas antes do evento. Outro que teve que ser adiado por implicância de outras produtoras, pedindo para que o evento não acontecesse, denúncias. Mas hoje, dentro do cenário que a gente está vivendo, isso não é mais tão frequente e espero que não seja. Não sei se pelo crescimento ou se as pessoas entenderam que o compromisso da festa é simplesmente inverter, colocar seu espaço dentro da sociedade, buscar o respeito para que as pessoas entendam o que nós realmente somos.
ZS: No que a pandemia da Covid-19 afetou o trabalho da produtora?
Cambraia: No geral, trabalho em outras modalidades, mas em relação aos eventos, a pandemia e a consciência de como estávamos diante dela, fez com que a frequência desses eventos fosse menor ou quase não existisse. Lá em 2019 eu tinha pensado em diminuir a quantidade de eventos. No ano seguinte ocorreu apenas um, acabei reduzindo obrigatoriamente por causa da pandemia, que não foi nenhuma coisa espontânea. Já em 2021 aconteceu o retorno, entre aspas. Acreditamos que a ciência, como base de enfrentamento da pandemia, nos tirou desse ciclo de medo. Perdi meu pai no pico da Covid-19, e isso acabou gerando um grande peso e cobrança em mim em relação a como pensar em algo seguro, para que mais pessoas não sejam números como ele. Segurança sempre vai ser nossa prioridade. Pensando em uma cadeia, a pandemia afetou o cenário artístico como um todo, já que todos nós perdemos nossa plataforma de expressão e lucro. Então ela nos forçou a nos refazer e nos readaptarmos, no sentido coletivo e individual também.
ZS: Como foi o ano de 2022 para o Cambraia produtor cultural e para a Trópico?
Cambraia: Foi um ano planejado. A gente teve só três eventos grandes neste ano e um menor. E 2022 foi um ano em que aconteceram os três maiores eventos da produtora, Carna Trópico, Macete, Trópico Horror Story, junto com um menor, a edição de Semana Santa, que foi a Santa no Soy.
ZS: E os planos para 2023?
Cambraia: Eu entendo que tem de ser um ano parecido com este de 2022, com menos eventos, maior qualidade e tentando agregar o maior número de público, não na questão comercial de ter muitas pessoas, mas no sentido de que a festa consiga chegar em mais pessoas que se sintam confortáveis para estar nela.
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