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"Aquele desejo de menino virou meu ofício"

Erasmo Dibell destaca conquistas de quase 30 anos de carreira


Kennedy Mendes

Vivia Moura


O início dos sonhos, da carreira e um posicionamento muito firme sobre o papel da arte na preservação da cultura da cidade. O cantor Erasmo Dibell, 57 anos, sobrenome que veio do casamento com Isabel, aborda essas questões em entrevista ao Sibita. Natural de Carolina, mas cidadão de Imperatriz, Erasmo diz ter música circulando em sua cabeça 24 horas por dia. Como artista, atribui seu contato com a arte à inspiração divina, que sente como uma vibração cósmica.


O cantor compõe de maneira fluida e, segundo ele, música não tem fórmula, ela acontece em sua vida. Diz se sentir privilegiado por ser de uma geração tão rica de referências musicais no Maranhão. Mas também manifesta o seu senso crítico a respeito da pouca visibilidade garantida aos artistas da região. Uma conversa sobre raízes, cultura brasileira, música e memória.



Dibell tem oito músicas autorais lançadas pela Saravá Discos nas plataformas e prepara álbum duplo para 2023. (foto: Dirceu Mello)


Zine Sibita: De onde surgiu o seu amor pela música?

Erasmo Dibell: Diziam que eu cantava praticamente tudo. Tinha aquela música “Negro Gato” [de Getúlio Côrtes, interpretada por Roberto Carlos], era só me botar em cima das mesas das festas que eu largava à toa, cantando. Profissionalmente, iniciei em 1993, mas foi em 1979 que eu tive um impacto muito grande com Raimundo Fagner e tudo começou. Sempre conto isso nos meus shows. Eu estava jogando futebol, a gente chamava de pelada (um time com camisa e outro sem camisa), em um campo enorme aqui em Imperatriz que pegava do Senai até onde está hoje o Hospital Regional, incluindo a UFMA e a Câmara Municipal. Estava eu lá numa manhã de um final de semana jogando bola, de repente parou uma Veraneio azul, acho que para testar o som. Era um carro muito comum naquela época. Ele aumentou o volume no máximo e tocou uma música linda, que impactou a todos nós: era “Noturno”, de Graccho e Caio Silvio, que o Fagner havia gravado e acabou virando tema da novela “Coração Alado” [1980]. E olha como as coisas são curiosas, né? Naquele momento eu disse, conversando comigo: “Meu Deus! É isso que eu quero pra minha vida!”. Hoje, 43 anos depois, aquele desejo de menino virou meu ofício. Por intermédio do meu conterrâneo e parceiro, Zeca Baleiro, tenho o privilégio de ter o Fagner cantando uma música minha comigo chamada “Reclame”. Não bastasse isso, Zeca também me botou na fita para compor, já temos três músicas juntos. Então, 1979 foi determinante para mim.


ZS: Como foi idealizado o Festival de Música de Imperatriz? Que impacto você acha que ele gera no cenário de arte da cidade?

ED: Esse festival é o sonho realizado do [cantor e compositor maranhense] Zeca Tocantins, um querido amigo e parceiro que, na medida do possível, estou sempre junto. Porque é um cara que abriu mão de sua carreira pessoal por conta do sonho de um projeto cultural por Imperatriz, um sonho de que em algum momento essa cidade nos absorva. Amamos Imperatriz, mas é uma cidade muito difícil. Tenho até um trecho de uma música falando sobre Imperatriz, que diz assim: “misto de alegria e dor, meu mandacaru florado...” [“Mandacaru florado”, de Erasmo Dibell, ainda inédita] Esse projeto do Zeca [Tocantins] é fundamental, porque nós somos oriundos desse universo, que é a vitrine do Festival. Foi por conta dele que, em 1986, eu, Zeca Tocantins, Carlinhos Veloz, Luiz Carlos Dias, Nando Cruz junto com uma geração mais nova, Lena Garcia, Clauber Martins, Ana Paula Bastos, etc. ganhamos visibilidade. Além da vitrine, fazer essas descobertas é imprescindível para o movimento cultural da nossa cidade. Em um barzinho não dá para fazer trabalho autoral, então o festival tem esse papel indispensável de dar visibilidade aos nossos artistas.


ZS: Fale mais do seu trabalho autoral, dos seus discos.

ED: Mesmo tendo um vasto trabalho autoral eu nunca tive muita agonia, muita fissura por ficar gravando disco todo ano. Hoje as coisas estão bem mais fáceis, mas havia dificuldade na época para se produzir um trabalho independente. Lancei o LP Sarará em 1993, com produção e direção do querido [cantor e compositor maranhense] Papete Viana [1947-2016], com arranjos dele, Marcelo Carvalho e meus. Em 1995, o CD O amor é azul, com produção do maestro Zé Américo Bastos, que no mesmo tempo também produziu o Canta Imperatriz, volume 1, projeto no qual eu fazia a direção executiva. Em 2007 eu produzi aqui em Imperatriz, integralmente, o CD Tudo de bom. Entre 2013 e 2015 eu gravei uma coletânea, Sarará. Depois que eu passei para o selo do Zeca Baleiro, em 2019, ela ganhou uma vitaminada, vamos dizer assim. Algumas músicas o Baleiro trouxe colaborações imprescindíveis, como do Papete, da Lenna Bahule, musicista moçambicana maravilhosa, nossa Rita Benedito, Raimundo Fagner e o próprio Zeca, que canta comigo uma música que nos somamos na autoria. Esse novo disco tem duas capas, pois é um álbum duplo e vai ser prensado em dois LPs, com capas do [artista gráfico falecido em março de 2022], Elifas Andreato, que infelizmente não está mais aqui conosco. São LPs em que eu comemoro 30 anos de carreira e virão com esse auxílio luxuoso, essa criação maravilhosa e emblemática do querido Elifas. São esses os registros e em geral o meu trabalho autoral estava assentado de tal forma que não me rendia muita coisa, aliás não me rendia nada. Agora já temos oito músicas nas plataformas oficialmente lançadas, que rendem os direitos a que eu tenho direito e até o final deste ano, comecinho de 2023 a gente conclui para bater exato a comemoração do meu trabalho autoral. Esse disco, como coletânea que é, é um apanhado do meu trabalho autoral que teve mais aceitação de público.



"Além do papel social, nós artistas temos o dever de trazer leveza e entretenimento". (foto: Dirceu Mello)


ZS: A música brasileira é valorizada no Maranhão?

ED: Sinceramente, falar isso seria otimista. Acho que a música que a gente faz é demodê, as pessoas estão pouco interessadas no conteúdo, todo mundo na poesia rasteira, mas a gente continua resistindo. Inevitavelmente, para enfeitar as novelas, a Rede Globo vai continuar apelando para o que nós temos de melhor na música brasileira. Porque não dá pra tocar esse “subproduto” que ela publica todo dia pra vender através do consumo de massa, cada coisa mais ridícula que a outra. Música nesse universo deixou de ser cultura. Eu sou de um tempo em que nos LPs vinha escrito atrás: “Música também é cultura”. Foi uma geração que cresceu ouvindo Belchior, Moraes Moreira, Djavan, uma galera nova que estava surgindo, Renato Teixeira, Almir Sater, eu tive o privilégio de ser dessa geração. Hoje é um cenário muito pobre musicalmente no Brasil, e no nosso estado, cada vez mais reduzido o espaço de quem faz MPB.


ZS: O Bloco Chibell, projeto carnavalesco com Chiquinho França, é um marco na sua carreira. Como ele começou e que experiências o carnaval já trouxe para sua vida?

ED: Artisticamente, o Chico é um amigo desde o começo de tudo. Me acompanhou nos primeiros shows que fiz por São Luís, como músico e guitarrista, e como vivemos de música, ao longo de todos esses anos nós passamos carnavais juntos. O Chico tocou por um bom tempo em banda e fez um nome muito grande na cidade e região pelo músico maravilhoso que é. E por conta disso, tínhamos uma agenda garantida por várias cidades durante o carnaval. Luiz Carlos Dias e o irmão, com duas guitarrinhas baianas, eu no violão, com o teclado e uma bateria. Nós vivemos um tempo de carnaval lindo na gestão do [prefeito José de Ribamar] Fiquene [1983 a 1988], tínhamos até Escola de Samba. E um pouco antes dessa gestão aconteceu um movimento popular: o Hélio Herênio e o Wilson Pacífico, em um barzinho na Praça Tiradentes, montaram um trio elétrico com o Chiquinho [França] e a banda. Era uma animação, uma coisa linda de se ver, ele com o repertório de Moraes Moreira até Armandinho, Dodô e Osmar, com as guitarras elétricas, amarrotado de gente. Tudo isso vindo da axé music e como percursores, Sarajane e Luiz Caldas. Depois, claro, de Fubica, a dupla Dodô e Osmar nos anos [19]50 e [19]60 em Salvador. Era um movimento pequeno e depois o trio elétrico virou uma coisa monstruosa. O Chibell aconteceu por isso, para mostrar para as outras gerações e trazer para a cena musical esses momentos alegres. Além do papel social e da responsabilidade de sermos formadores de opinião, nós artistas temos o dever de trazer a leveza, o entretenimento para as pessoas. Tudo já é tão complicado, com tantas mazelas. Estamos vivendo um momento louco, até a morte é banalizada, as pessoas com a necessidade de replicar o que não sabem.


ZS: Como foi lidar com o período de isolamento social durante o auge da pandemia da Covid-19 e como está sendo esta volta aos palcos?

ED: É certo que a pandemia não passou, mas está de certa forma mais frouxa e a gente está podendo trabalhar, não como antes, mas estou voltando a algumas atividades. Cumpri uma agenda junina, em 2022, fazendo shows como sempre. Além disso, no período em que estive totalmente parado, esses quase dois anos, claro que a renda comprometeu absurdamente, mas tive uma sobrevida nas questões do meu direito autoral e alguns trabalhos de jingle que eu faço. Contei também com gestos de amigos, que me contrataram para lives exclusivas, remuneradas. Foi assim que eu me virei. Agora já estou com as minhas quatro doses da vacina em dia e assim estamos voltando às atividades regulares.


ZS: Qual a importância de políticas públicas voltadas à preservação da arte

nacional e local, seja na música, no cinema ou na poesia?

ED: Educação é tudo, é o que vai nos salvar. É imprescindível o papel do poder público, porque somos nós que pagamos, nós que fazemos o sistema. É fundamental o apoio às iniciativas culturais. A gente faz também com iniciativa privada uma coisa ou outra, mas não podemos tirar essa responsabilidade do poder público para a preservação através da história, do cinema, uma geração musical, de artistas plásticos como forma de evidenciar tudo isso, por ter coisas que aconteceram que eu não vi. É bacana conservar essa memória.


BATE-BOLA


ZS: Inspirações na música.

ED: Beto Guedes, Fagner, Belchior, Chico [Buarque], Caetano [Veloso], Gilberto Gil.


ZS: Uma música que marcou sua vida.

ED: Tem uma música chamada “Sailing”, de Christopher Cross, que eu estava muito e escuto até hoje, ela me acompanhou em uma viagem à Carolina [MA].


ZS: Uma colaboração marcante.

ED: Uma vez Lenna Bahule, musicista moçambicana, colocou a voz na minha música, e quando ouvi eu chorei na hora.


ZS: Um conselho para a nova geração MPB.


ED: Se você tem amor pelo que quer que seja, faça sempre o melhor que você puder, porque é tudo muito passageiro. Não abra mão de você nunca, viva intensamente o amanhã. Não sei de nada dele. Vamos pisar no acelerador e vamos viver. Um dia desses tava eu lá na barriga da minha mãe e estou aqui dando pinote até hoje.


ZS: Uma frase.

ED: Todo amor vale o risco, do choro e do riso. Continuarei deixando minha dor numa mesa de bar.


Errata: Ao invés de Glauber Martins lê-se Clauber Martins. Também foram acrescentados os créditos das fotos de Dirceu Mello. O texto corrigido em 23/11/2022.

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