top of page

Marchinhas trazem boas memórias e críticas

Compositor e foliões jovens e antigos contam suas vivências durante o período carnavalesco


Nathália Carvalho


As marchinhas chegaram ao Brasil no fim do século XIX e mantiveram o seu auge no Carnaval brasileiro até a década de 1960. Elas costumam falar de política, costumes e fatos do dia a dia. Além de abordar sobre amor, traição e até mesmo a sensualidade, sempre com o uso de trocadilhos, ironias e duplo sentido. A primeira marchinha produzida para o carnaval que se tem notícia foi "Ô Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, de 1899. “Mamãe eu quero” (Jararaca/Paiva, 1937), “A jardineira” (Benedito Lacerda/Humberto Porto, 1939), “Allah-lá-ô” (Haroldo Lobo/Nássara, 1941) e “Me dá um dinheiro aí" (Irmãos Ferreira, 1959), foram canções que perpetuaram por vários anos de carnaval.


Maria Clara, 22 anos, diz ter se envolvido de forma singela com as marchinhas que ouvia desde a sua infância. Escutava “Ô abre alas” juntamente com sua avó, Maria da Conceição Vale Rodrigues, quando passava no Programa Silvio Santos. Maria conta que é sempre uma nostalgia relembrar esse tipo de canção. “Eu sentava na frente dela e botava o travesseiro no chão, e ela sentada na cadeira. Eu pedia para ficar fazendo carinho na minha cabeça, porque quando criança tive muito piolho. Mesmo quando eu não tinha, eu gostava que ela ficasse pegando no meu cabelo como se fosse catando lêndeas”, recorda.


Já o convívio com as marchinhas da aposentada Maria Conceição Rodrigues, de 73 anos, dava-se por meio do rádio. Quando tinha 10 anos de idade, ela morava no interior e de lá acompanhava essas canções e ainda aproveitava para dançar. Maria Clara diz não gostar das primeiras marchinhas criadas, ela se identifica com as bregas, de Roberto Villar e Wanderley Andrade, por influência de sua avó.


Foto em preto e branco do rosto de Chiquinha Gonzaga. Ela usa uma arranjo listrado na parte de trás da cabeça.

“Ô abre alas”, de Chiquinha Gonzaga, é considerada a primeira marchinha de carnaval. (foto: reprodução Google Imagens)


As músicas atuais tocadas no período carnavalesco, como o axé de Léo Santana e Chicabana, também não ficam de fora da lista da neta Maria Clara, mas há um descontentamento com algumas produções. “Não gosto que pegue música de outros estilos musicais, por exemplo, o funk e o sertanejo, e transforme em uma música de carnaval. Aprecio música de carnaval raiz, que foi criada daquela forma”, informa.


Com o advogado e mestre em sociologia, Natal Marques Dias, de 37 anos, o contato com as marchinhas também foi principalmente por meio do seu pai e sua mãe. Mas somente na adolescência é que Natal começou a frequentar carnavais. Já não era mais o tempo das marchinhas e, sim, daquele carnaval parecido com o da Bahia, com a presença de trios elétricos e muito mais.


Apesar das marchinhas ainda serem tocadas, houve uma redução em relação ao passado, quando eram aguardadas com ansiedade. Em Imperatriz, ainda existem duas bandas que tocam esse tipo de música: Bicho Papão e Máscara Negra. O musicista e pedagogo, Aziz, de 49 anos, explica que as composições não se fixam na cabeça como antigamente por causa do crescimento do mercado musical e da facilidade de acessar outras músicas.


Baile de carnaval retratado em preto e branco, muita gente junta em um salão.

As marchinhas eram sucesso nos carnavais antigos. (foto: Arquivo DP)


Natal Marques Dias acredita que a produção das marchinhas teve uma queda por conta da comercialização do carnaval. Ele menciona que hoje, ao contrário dos festejos livres nas ruas, comuns no passado, muitas vezes os acessos são cobrados e existem diversas hierarquias para o folião aproveitar, desde a pista até o camarote. “Não é mais apenas uma festa de efervescência cultural como era anteriormente. Ela é uma festa capitalizada”.


Aziz já participou de alguns festivais de marchinhas em Imperatriz e, inclusive, ganhou duas vezes o segundo lugar e uma o terceiro. Ele afirma que a relação das marchinhas antigas com as novas é a sátira, os trocadilhos e o humor presente nessas composições. Ainda acrescenta que antes havia uma expectativa maior das pessoas ao receber esses enredos. E, por parte dos compositores, uma disputa para saber qual seria a marchinha do ano.


Antônia Oliveira, conhecida como Deta, de 68 anos, em sua época jovem, residia na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão. Lá costumava pular carnaval e se divertir com os amigos em uma pracinha. Ela também fazia parte de uma escolinha de samba, chamada Menina Nanica, em que apenas moças pequenas eram escolhidas. E é nesse mesmo lugarzinho, próximo de sua casa, que aconteciam os desfiles.


As marchinhas podem ser consideradas uma diversão para animar o público e também uma forma de registrar seus posicionamentos políticos. No entanto, em alguns momentos, letras foram questionadas e colocadas como preconceituosas. Um exemplo é “Cabeleira do Zezé” (João Roberto Kelly, 1963), com os famosos versos “Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é/ Será que ele é...”. Na época essas canções não eram reconhecidas de maneira pejorativa. Mas, pelo contexto atual da sociedade, seriam vistas como homofóbicas e machistas, pois colocam em dúvida a masculinidade de Zezé, apenas por ter cabelo grande.



Comentarios


Los comentarios se han desactivado.
bottom of page