Bom mesmo é ser skatista
Um fim de tarde na Praça Mané Garrincha, com os surfistas do asfalto
Artur Marques
Kainan Silva
Pista da Praça Mané Garrincha é espaço de socialização (foto: Valéria Rosa).
Sol poente na cidade de Imperatriz. Dentro de um minuto o relógio marcará as 18 horas, encerrando mais uma calorosa tarde de sábado. Na praça Mané Garrincha, símbolo da cultura urbana local, skatistas já deslizam pelos grafittis que marcam as pistas e rampas mostrando seu talento, força de vontade e, por que não, estilo? Um deles, chamado Ítalo Gabriel, usa roupas largas, com destaque para uma camisa de botão rubro-negra quadriculada, habitual entre eles.
Enquanto se concentra, sua mente percorre seu próprio universo sonoro em seus fones de ouvido. Assim, Ítalo é capaz de conduzir seu corpo a movimentos velozes e precisos em cima da prancha. Os que não partilham do mesmo costume, seja lá por qual for o motivo, são embalados pelos sons da cidade, que vêm dos motores de veículos, das conversas de pedestres, de carros com som automotivo e do canto dos passarinhos que se aninham nas grandes árvores da Mané.
Apesar da intimidade que o jovem possui com o esporte, ele conta que começou a praticar há aproximadamente um ano, quando herdou o skate de seu primo. Meses depois, Ítalo comprou o seu próprio e, desde então, não desgruda dele quando está em seus momentos de lazer. Ao falar sobre o que sente nessas ocasiões, o menino descreve felicidade. “Ah, como eu posso dizer...? Alegria! Eu amo andar de skate!”, declara, com o tom de quem fala de um amor intenso.
Skate é para garotos?
Conforme o céu vai escurecendo e as luzes dos postes acendendo, novos atletas vão preenchendo o lugar. Alguns vão chegando a pé, outros de bicicleta, um deles com o skate preso entre as costas e a mochila. De repente, alguém chama um pouco mais de atenção. Nicoly Santos, 12, é uma pequena garota que chega protegida dos pés à cabeça, de capacete e shape rosa, cotoveleira e joelheira. Logo da garupa da moto de seu pai é saudada por outro garoto baixinho que aparenta ter uma idade próxima à da esportista mirim. A relação entre todos os praticantes do esporte presentes parece amigável e empática. Quando um acerta uma manobra, outro elogia. Se alguém leva um tombo, os colegas verificam se está tudo bem.
No meio da pista surge um rosto familiar, que está quase sempre na praça. Sua presença é tão serena quanto a dos pássaros que pousaram ali em frente, como quem quisesse prestigiar de pertinho a beleza que existe em cada canto da pista, quase não percebida em meio à inquietude dos dias. É uma moça esguia, de cabelos escuros e encaracolados, com uma tatuagem que acompanha a sua clavícula, e outras duas nos braços.
A sua peça de roupa caraterística é uma calça jeans de caimento folgado, com alguns bolsos ao longo dela. Sobre os seus olhos escuros, usa óculos pretos. Como Ítalo, a moça gosta de preencher as sessões, nome dado aos momentos reservados para a prática do skate, com trilha sonora. Por isso, no bolso traseiro da calça carrega o celular conectado ao fone. Seu nome é Ana Bárbara.
Depois de sentar sobre uma pequena arquibancada para beber água, Ana toma pelas mãos o skate e se levanta, pronta para encarar a pista novamente. Ela dá pequenos pulinhos sobre ele, em preparo para tentar realizar o movimento flip, mas não tem êxito nas primeiras tentativas. Decide, então, andar pelo outro lado da praça, que é dividida pela arquibancada. A skatista sobe e desce com bastante rapidez pelas rampas, deixando na pele a marca do suor que evidencia o esforço colocado em cada movimento. Após alguns minutos, Ana resolve voltar ao objetivo anterior, e depois de inúmeras tentativas sem sucesso, finalmente consegue. A satisfação de executar um belíssimo flip é expressa pelo sorriso no rosto da moça.
Motivações
Todo mundo carrega um caos, e a skatista compartilha com muita vulnerabilidade sobre como o skate a ajuda a lidar com o seu. Ana conta que enfrenta problemas com a insônia por ser muito ansiosa, e que ao chegar em casa, após as sessões, o cansaço a coloca para dormir. Além disso, a ansiedade também consome seus pensamentos no dia a dia, e o esporte auxilia nessa batalha contra a própria mente. “Eu fico pensando em tudo o tempo inteiro e tals. E aí quando eu tô andando de skate, pô, eu só fico de boas e só vou andar de skate. Só quero andar de skate e me divertir, sabe? Então, é muito legal, muito divertido”, desabafa.
A narrativa da praça é tecida das mais diferentes e inspiradoras histórias de vida. Há esperança na trajetória de pessoas como a menininha Cecília, de oito anos de idade. Ela recebeu encorajamento por meio de alguém que muito conhece o local. A pequena skatista relata que a sua motivação para adentrar no esporte foi a atleta Rayssa Leal, a “Fadinha do Skate”, fenômeno mundial do esporte, medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021, que já treina na Mané há muito tempo de sua vida.
Cecília é miúda, mas anda melhor que muito marmanjo. Parece incansável perto de todos os presentes no local. A pequena já sabe como subir rampas e aparenta não se intimidar com o nível dos veteranos ao seu redor. Se junta com a skatista do capacete rosa, e ambas se divertem e se superam conforme praticam.
Do auge à despedida
Se aproximam as 20 horas. A essa altura, todos se misturam pela pista. Um espectador, que chega em sua bicicleta, cumprimenta um amigo skatista e senta no topo de uma rampa para conversar com o colega. Após alguns minutos, levanta, se afasta um pouco e acende um cigarro que espalha o cheiro de tabaco queimando pelo ar. Enquanto isso, atento, parece admirar um por um dos skaters [indivíduos que andam de skate], concentrado e bastante entretido.
De repente, se aproxima da praça um moço trazendo um isopor azul com uma placa que anuncia “Geladão de Frutas”. Então, o pai de Nicoly chama sua atenção, compra dois geladões, um para si e outro para a filha, e aproveita para bater um papo com o vendedor. Depois de se refrescar, a garotinha superequipada resolve dar mais algumas voltas pela praça.
Próximo das 21 horas a pista fica a cada minuto mais sozinha. Os skatistas descem dos seus xodós, vestem suas mochilas, e se preparam para deixar o local. As últimas a sair são Cecília e Nicoly. Elas partem, dando descanso para a praça, que, se falasse, provavelmente assumiria estar mais exausta que os atletas. Porém, estaria grata, por saber que, para muitos, é o “velejar” no meio do pelejar que é a vida.
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