Imaginação, sonho e prazer nas pinturas de Ijanes Guimarães
Pintora imperatrizense retrata a cidade e o feminino em suas telas
Nathielly Lima
Autorretrato (2007): "Todo mundo é assim, multifacetas, multicolorido", diz Ijanes Guimarães (foto: Nathielly Lima)
Quando perguntada sobre três palavras que definem a sua arte, Ijanes Guimarães responde reflexiva: imaginação, sonho e prazer. Não por coincidência, desde criança rabiscava nas paredes de sua casa e consumia várias histórias em quadrinhos, como as de super-heróis. Aos 12, já desenhava como um passatempo, ao mesmo tempo que se estabelecia em Imperatriz com seus pais, que eram comerciantes. Os primeiros contatos de fato com a pintura aconteceram com 14 anos. Em um curso em ateliê profissional, na rua Godofredo Viana, aprendeu a pintar tecido, gesso, isopor e até bonecas. O contato era com o artesanato em geral, mas a afeição pela pintura acabou prevalecendo.
Natural de Antônio de Almeida – PI, a veia artística da pintora está ligada ao avô paterno, que fabricava selas para cavalos e, para dar um toque a mais, ilustrava sobre o couro uma diversidade de figuras. O desenho, sempre presente na vida de Ijanes, influenciou na sua escolha de cursar licenciatura em Biologia, na antiga Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), hoje Uemasul, e realizar seu desejo de ensinar. “Sempre quis ser professora e em Biologia a gente desenha muito: folhas, flores, anatomia, animais”, explica.
Palavras de artista
Era uma tarde bastante chuvosa e fria de quinta-feira quando visitei o ateliê de Ijanes, no Parque do Buriti. Optamos pela visita porque lá é um lugar propício para reflexões sobre suas obras. O espaço, que fica a alguns quarteirões da sua casa própria (onde mora com o marido e as três filhas), guarda a maioria de seus materiais, como pincéis, espátulas, tintas e pinturas já prontas, colocadas lado a lado no chão.
Durante a visita, alguns quadros chamam atenção, como o retrato de Chico Mendes (1944-1988), ativista ambiental, conhecido mundialmente pelo seu trabalho de preservação da floresta amazônica. Assassinado em 22 de dezembro de 1988, na sua própria cidade natal, Xapuri (AC), por donos de terras que viam como ameaça suas reivindicações, ele tornou-se símbolo nacional de preservação da Amazônia.
Registro artístico de Chico Mendes, líder ambientalista do Acre. (foto: Nathielly Lima)
Em outro quadro, a Beira-Rio é retratada mostrando parte de seu lago central, com o parque infantil do famoso brinquedo de foguete. Ijanes faz questão de mostrar uma pintura com três meninas brincando de ciranda: gordinhas, negras e de cabelos crespos. Retratar a infância é o tema que mais a fascina, já tendo pintado florais, gatinhos domésticos e natureza morta. Ela conclui que os mais marcantes foram os temas das meninas e da infância de modo geral, pois lembram “a inocência, a delicadeza, a leveza.”
Pintar meninas é o meio que encontrou para homenagear o feminino, um gênero alvo de um número elevado de casos de violência e dificuldade na conquista e garantia de seus direitos. As pinturas de Ijanes são, então, de uma mulher que busca, a partir da arte, lembrar que a mesma proteção necessária às meninas precisa ser dada quando tornam-se adultas.
Em seu ateliê, a pintora Ijanes Guimarães aprecia o silêncio na hora de criar. (foto: Nathielly Lima)
Ijanes contempla em suas obras uma atmosfera de nostalgia das brincadeiras. Além desses sentimentos, a professora e atriz Eronilde dos Santos, que costuma comprar os seus quadros e é colega profissional da artista, destaca as reflexões étnico-raciais que as pinturas provocam nela: “Essas telas nos convidam a discutir sobre a relação de gênero e pertencimento identitário, ao retratarem crianças negras e gordas, resgatando nossa história e memória”, explica.
Pintura retrata o principal ponto turístico de Imperatriz, a Beira-Rio, de forma luminosa, beirando a um sonho. (foto: Nathielly Lima)
“Mãe! Mãe! Veja, são os quadros mais lindos que eu já vi em toda a minha vida”. Essa foi a fala de uma menina, ainda criança, ao ver pela primeira vez as telas da pintora, em uma exposição no Shopping Tocantins, em 2016. A artista conta de forma emocionada que, ao ouvir o comentário tão espontâneo, sentiu-se reconhecida. “Me senti naquele momento super-mega-valorizada porque uma pessoa disse que aqueles eram os quadros mais lindos que ela já viu em toda a vida dela. Essa foi a frase que mais me marcou. Fantástica. É emocionante”, relembra, com a feição feliz.
Ijanes Guimarães em exposição no Shopping Tocantins. (foto: divulgação)
Passeio multicolorido
Na casa de Ijanes, as paredes são decoradas com seus quadros: meninas brincando, natureza morta e gatinhos. No quarto das filhas, uma tela retrata uma menina negra se preparando para usar um balanço. O racismo com a população negra no Brasil é uma preocupação constante para a artista. Ela comenta que é um país que ainda acha feias as feições afro-americanas. Sua arte convida à reflexão sobre o tema: “A beleza está na diferença”.
Sobre o seu autorretrato de 2007 (que abre esta matéria), a pintora destaca os detalhes. Bem perto de seu rosto, percebe-se diferentes e pequenas pinceladas coloridas que, juntas, compõem a face de Ijanes. “Todo mundo é assim: multifacetas, multicolorido. Todos têm um espírito colorido em todos os aspectos”, explica.
Hoje, aos 53 anos, leciona Biologia na rede estadual de ensino médio, no Colégio Militar Tiradentes. Ama a profissão pelo contato diário com adolescentes. As aulas remotas e o isolamento social foram permeados de dificuldades e luto pela perda de um amigo íntimo. Um abalo que causou uma pausa na pintura. Também sentia falta das aulas presenciais. "Gostei muito do retorno das aulas, não há nada melhor do que o contato e os laços que se formam com as pessoas", comentou em entrevista mais recente.
Atualmente Ijanes está trabalhando em um novo projeto, uma série de quadros sem previsão definida de data para serem lançados. A longo prazo, afirma não demorar muito para se aposentar da profissão de professora e se dedicar mais à venda de seus quadros e à divulgação de seu trabalho nas redes sociais. Afinal de contas, a criança interior em Ijanes Guimarães deve continuar lhe guiando, retratando a vida com intensidade e beleza.
Comments