top of page

“As cortinas se abriram e não deu pra fechar”

História da palhaça Peteleca, de Jô Santos, coincide com o amadurecimento da atriz


Por Hugo Oliveira

Alt Jô Palhaça

Personagem da Palhaça Peteleca é resultado de uma transformação artística de 37 anos. (foto: Anderson Mateus Silva)


A Palhaça Peteleca é um ícone infantil no Maranhão, principalmente em Imperatriz, há 37 anos. Com talento e carisma, a personagem anima festas e eventos com suas brincadeiras e alegria contagiantes. Quem dá vida à figura sempre colorida e sorridente é a contadora de histórias, atriz, recreadora e pesquisadora do movimento cultural e artístico de Imperatriz, Jô Santos, como é conhecida fora dos palcos.


"Acredito que foi esse personagem que me mostrou para o Maranhão. E a história de Peteleco coincide com a minha, teve um processo para ele nascer em mim. Foi devagar. Primeiro o Peteleco, depois Tia Jô Peteleco e hoje Palhaça Peteleca", explica a artista.


Joanires Maria dos Santos Sousa, 54 anos, carinhosamente chamada de Jô, é nascida e criada em Imperatriz. Formada em Letras e Educação Física, é especialista em Teoria da Literatura Contemporânea, além de ser técnica em Brinquedista e artesã. A atriz atua há 39 anos no teatro.


A personagem Peteleco, ainda com caracterização masculina, surgiu com o espetáculo Teatro Meteoro! Aqui vou eu, texto coletivo de Jô Santos, Mauro Soh, André Lucio e Florismar Sousa. Com o sucesso, foi criada outra peça, A farsa de Yarim no céu de mandacaru, e o então palhaço mais uma vez arrancou risos da plateia.


A partir daí, a atriz percebeu que Peteleco estava mais vivo que antes. Ela lembra com bastante carinho dessa época. “As cortinas se abriram e não deu para fechar. Pois eu não queria e nem quero”, comentou. A personagem foi mudando de nome ao longo do tempo até se tornar uma palhaça bem feminina.


Quando surgiu, no teatro, o Palhaço Peteleco tinha uma caracterização mais masculina. (foto: arquivo Gilberto Freire de Santana)


Em 2017, Jô Santos se aventurou pelo mundo da literatura e lançou a revista educativa BrinCriando, voltada para atividades educacionais. O objetivo é tornar a leitura divertida para as crianças, inclusive com um kit de dedoches, os fantoches para os dedos. Com reconhecimento do seu trabalho, Jô Santos foi homenageada na 15° Semana de Teatro do Maranhão, em 2020.


Uma festa inesperada


Após alguns anos atuando no teatro, um fato inesperado aconteceu. Um dia Jô Santos estava brincando com a sobrinha do diretor da universidade em que ela estudava, quando uma senhora a convidou para uma festa. Esta acabou sendo a primeira vez que a atriz recebeu uma remuneração como recreadora, no papel do palhaço Peteleco. “O único cachê que recebia naquela época era do espetáculo Meteoro”, explicou.


Depois da primeira festa, as pessoas começaram a elogiar seu trabalho e chamá-la para participar de mais eventos. Jô recorda que no início teve um pouco de dificuldade em relação à cobrança de valores, pois nunca havia trabalhado como recreadora de festas infantis. Também tinha dúvidas sobre qual tipo de animação poderia fazer. “Eu ficava perguntando para o [ator] Mauro Soh: ‘E agora, o que faço?’ E ele respondia: ‘Menina, leva fantoche, corda e resgata essas brincadeiras’. Assim fui fazendo”, rememora a artista.


Durante muito tempo, Jô Peteleca carregou os traços masculinos do primeiro personagem do espetáculo Meteoro até que decidiu que estava na hora de renovar a estética. “Eu pude perceber que quando eu fui para as festas infantis para animar, esse falsete do Peteleco original não estava dando certo. Porque tinha essa diferença entre atuar durante 50 minutos no teatro e três horas em uma festa. Então foi que percebi que o Peteleco não era da festa e sim do teatro”, explica.


Jô Santos lançou em 2017 a revista BrinCriando, com os dedoches para soltar a imaginação. (Foto: Thaís Miranda)


Arte de liberdade e desafios


As dúvidas ao longo da carreira foram várias, mas não tiraram a força de vontade de continuar lutando por aquilo que a atriz gosta. Para Jô Santos, a maior dificuldade foi quando esperava o primeiro filho. “Quando fiquei grávida, ficava com pensamentos: ‘E agora? Eu paro ou continuo com minha arte?’ Mas eu já sabia que não podia parar, porque arte para mim é tudo, pois é libertadora e desafiante também. Então a dificuldade foi poder conciliar as duas coisas que amo: a arte e a maternidade”, lembra. Lucas Maranhão, seu primeiro filho, conviveu com a mãe por 22 anos, até morrer por afogamento em um açude, em agosto de 2021. Jô Santos também é mãe de Lívia Sousa Fonseca.


Como muitas profissões, a de animadora de festas não está livre de críticas e incompreensão. Para Jô Santos, a falta de valorização dos artistas em Imperatriz nunca foi motivo para desistir, serviu para buscar cada vez mais esse reconhecimento. “Tem muita gente que pensa: ‘Ah, mas é só brincar com criança’, e não é assim que funciona. Trabalhamos com amor e dedicação, pois são coisas que vão além desse brincar”, acredita.


Quando começou a atuar como palhaça, havia poucos recreadores e esse foi o motivo de Jô ter se tornado tão requisitada. Ela conta que começou, então, a convidar mais pessoas para os trabalhos. “Os profissionais que chamei começaram a trabalhar por conta e achei uma coisa fantástica, porque minha ideia era exatamente essa. Por isso que hoje a cidade possui mais opções de recreadores infantis”, justificou.


Conciliar a maternidade com estudos e vida profissional nunca foi fácil para a Jô Santos. Mas ela sempre contou com ajuda da família e amigos em relação aos filhos. “Graças ao meu bom Deus sempre tive pessoas maravilhosas que cuidavam dos meus filhos. Nessa época ainda era casada, então tive ajuda do pai das crianças. E como meu trabalho era à noite, sempre tinha alguém para me socorrer”.


Nos 39 anos de trabalho, Jô aprendeu, principalmente, a ter amor por aquilo que faz. “A arte para mim é libertadora e transformadora, porque com o meu trabalho pude perceber tudo isso, acreditar no outro, como a criança se comporta. A criança é sincera e capaz”, considera.


Jô destaca duas pessoas que a ajudaram no desenvolvimento artístico. “Mauro Soh, que é paulista e vestiu a camisa do nordestino, viveu 10 anos em Imperatriz e contribuiu bastante com a cultura local. Pois foi ele quem me deu o nome de Peteleco. A outra foi a Eró Cunha, que sempre foi dedicada e me ajudou com o novo visual da personagem”, conta.


Durante o auge da pandemia da Covid-19, o segmento em que Jô trabalha foi um dos mais afetados, pois necessita de contato próximo e, assim, a artista procurou se reinventar. “Com a falta do contato ao público, eu criei um canal do YouTube e passei a contar histórias por lá. Além do projeto em que todas as sextas-feiras eu contava histórias e as lives. Então, tudo que fazia já no presencial passei para o on-line”, explicou.


Para Jô, o mercado de animação de festas é muito bom para quem é ótimo e atua com amor, mas ela ressalta a necessidade da profissionalização. “Trabalhar com criança é muito legal e prazeroso e o dinheiro é ótimo. Mas claro que poderia ganhar melhor, porque graças a Deus, eu estou há mais de 30 anos no mercado, posso oferecer meu preço e valorizo o meu trabalho, porque fui atrás de conhecimento”, destaca a artista.


A dica que a Jô Peteleca deixa para quem deseja atuar como animador de festas é que estude e busque sempre se qualificar. “Lembro de quando as crianças visitavam a minha casa e percebia que elas tinham medo de palhaço por conta do excesso de maquiagem. A partir daí busquei entender a diferença na maquiagem de animação de festas e teatro, e assim fui trazendo mais leveza para as roupas e para maquiagem”.


A perda recente do filho Lucas Maranhão ainda abala bastante Jô Santos. Uma forma de manter a sua memória viva é dar continuidade ao Projeto Solidário Lucas Maranhão, originalmente criado por ele, que arrecada cestas básicas para famílias carentes. “Hoje eu choro de saudades, da ausência. Mas como meu filho era jovem, qual é o objetivo do projeto? Ele sempre pensava em fazer palestras para adolescentes, falar de amor", lembra.


A proposta do projeto, além da distribuição de cestas básicas, é levar cultura para vários públicos a partir da contação de histórias, arte circense e com palco aberto para quem quiser mostrar o seu talento. "A fé que ele tinha, ele dizia que vinha da que a mãe dele sempre teve durante toda a sua vida... de que o outro dia será sempre melhor”, afirmou em entrevista recente a estudantes de jornalismo da UFMA.


Pioneira, Peteleca inspirou a criação de outros palhaços, inclusive na própria família. (foto: arquivo pessoal)



Comments


Commenting has been turned off.
bottom of page