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O legado da mestra Maria Francisca do Lindô

Laços de família mantêm a tradição do grupo folclórico imperatrizense


Rogério Gomes


“Voa Borboleta

das asas douradas

Vai vira estrela

e faz chuvarada

De canções, de alegria

foi teu caminhar

Mesmo o teu sofrer

soubeste enfeitar”

Os versos da poeta e atriz Lília Diniz expressam o semear da mestra Maria Francisca do Lindô na cultura de Imperatriz. Ao longo de quase quatro décadas, o grupo de dança popular, fundado e liderado por ela, encanta com batuques, irreverência, cores vibrantes e o rodar das saias estampadas.


Em 5 de junho de 2017, Imperatriz se despedia de Dona Francisca, uma verdadeira dama da cultura local. Ela deixou filhos, netos, bisnetos e o CD intitulado Batalhão Real, relançado recentemente.

José Regivaldo e as crianças do grupo Batalhão Real Lindô e Mangaba antes de uma apresentação. (foto: arquivo pessoal)


O Lindô é uma manifestação artística de caráter popular que ocorre em algumas cidades do Maranhão: Caxias, Imperatriz, João Lisboa e Davinópolis. É uma dança circular, somada à música, e tem semelhança com as brincadeiras de roda e as tradicionais quadrilhas. Os participantes evoluem em pares, entoando o refrão das canções. Os versos, em geral, são de improviso. Na caracterização dos dançarinos, as mulheres usam blusas de cetim e saias rodadas com estampas coloridas. Já os homens trajam calças de cor neutra e camisas coloridas.


O grupo cultural do bairro Santa Inês, conta com cerca de 30 brincantes, que realizam ensaios em um período mais próximo do mês de junho, em geral em maio, sempre abertos ao público. Em 2024, o grupo comemora 40 anos e o batalhão pretende fazer uma grande festa para enaltecer a caminhada e saudar a memória de dona Maria Francisca, no aniversário dela e do grupo, em 1º de abril. A brincadeira irá acontecer no terreiro da família da homenageada, com estrada gratuita.


Após a morte de Maria Francisca, a organização do grupo cultural foi herdada pelo seu filho, José Regivaldo, o Régis. Ele começou no Lindô aos cinco anos de idade e considera que a dança é “uma forma de transmitir alegria, entusiasmo e paixão por tudo que envolve a cultura”. Ele pondera, no entanto, que as apresentações têm diminuído. “Ninguém consegue hoje fazer o que minha mãe fazia. Afinal, ela gerou esse projeto e criou até onde pôde, mas agora é comigo e os que ficaram”, declara Régis.


A última apresentação do grupo aconteceu no mês de junho de 2023, no tradicional Arraial de Dona Francisca, no bairro Santa Inês, onde até hoje mora a sua família. Régis afirma que não existe ainda uma data marcada para uma próxima. A expectativa para o reencontro com o público é grande e “sempre rola um nervosismo”, mas Régis ressalta que isso faz parte e que tudo dá certo no final. “A força vem da minha maior inspiração, minha mãe. Porque fazia o que gostava, isso automaticamente passou pra mim e jamais penso em acabar com o grupo”, garante.


Dona Francisca era moradora do bairro Santa Inês e a dança do Lindô foi o seu projeto de vida por 39 anos. Tanto que, com o passar do tempo, tornou-se um complemento do seu nome, sendo conhecida em toda a região pelo trabalho e dedicação com que propagava e divulgava essa cultura.


Mestra Maria Francisca do Lindô, a dama da cultura. (foto: arquivo da família)


A dança tem origem africana e foi trazida por moradores do Piauí para o Vale do Mearim, no Maranhão. Tanto no Lindô quanto na Mangaba, as mulheres vestem saias rodadas e floridas e os homens, camisas e calças coloridas. Seus pais contavam que a dança do Lindô apareceu em Caxias no ano de 1722, divulgada por dois rapazes vindos de Portugal, e chegou em Imperatriz em 1978, por meio de Dona Francisca.


A mestra cantava, tocava tambor e ainda orientava os brincantes. Os dançarinos são, em sua grande maioria, familiares, sendo filhos, netos, genros e noras, que perpetuam a tradição aprendida por Francisca ainda na infância. “Primeiro chegou na cidade de Caxias e quando eu mudei pra Imperatriz eu trouxe a dança. Isso já tem mais de 30 anos”, disse a mestra Maria Francisca em uma postagem de 2017, na sua página do Facebook. Na mesma publicação da época, ela ainda relatou que a dança é própria do período da Quaresma, mas durante todo o ano aconteciam os ensaios e apresentações. “No início, quando chegou ao Brasil, o nome era Dança do Lindo. Com o tempo, ficou Dança do Lindô”, completou.


O período no qual o batalhão mais organiza apresentações é o junino, pois ainda há, especialmente por parte das escolas, um interesse em conferir a manifestação da dança folclórica. Mas, segundo Regivaldo, eles aceitam os convites em qualquer época do ano e fazem todo gosto de se apresentarem.


“O Lindô é muito mais do que uma dança, é um mecanismo de inclusão da população do bairro, uma vez que tudo gira em torno dos moradores, que são os que confeccionam as roupas, que cantam, dançam e de um modo geral, fazem essa manifestação cultural acontecer”, define Regivaldo.


As coreografias são as mesmas, com poucas modificações ao longo dos anos. Regivaldo toca tambor e canta, como a mãe fazia. A parte da dança hoje, segundo ele, é toda realizada por crianças da comunidade.



Regivaldo, filho de Dona Francisca do Lindô. (foto: arquivo pessoal)


Regivaldo faz um apelo para que o governo e a mídia de Imperatriz olhem mais para a cultura como fonte de conhecimento e libertação. Segundo ele mesmo relata, ainda há um certo preconceito com a dança, pelo fato de usar o tambor como instrumento marcador das batidas, as roupas coloridas e também por cerca de 95% do grupo ser de pessoas negras. Regivaldo afirma que tanto a mãe, quanto o restante do grupo, já passaram por situações muito constrangedoras ao longo de ensaios e apresentações.


“Quando ainda criança, me lembro de uma vez estarmos ensaiando para o São João lá naquela areinha que tinha na Praça da Cultura e uns quatro jovens começaram a nos chamar de macumbeiros e coisas do tipo. Aquilo me marcou demais, mas lembro que minha mãe não ligou e continuamos”, lembra Regivaldo. Para ele, é muito triste ver pessoas, inclusive negras, vivendo em um país tão diverso, mas que desconhecem e desaprovam a própria cultura.


“Num país onde maior parte da população é negra, que já sofre tanto pela cor da pele, a gente ainda resiste. Mas a alegria de levar a nossa cultura é o legado da minha mãe, que eu carrego com muito orgulho. O Lindô é uma manifestação que já faz parte do calendário cultural de nossa cidade”, ressalta o filho de Francisca.

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