“O rap é sobre isso: como continuar a luta”
Wesley Lucas, o MC Mensageiro, comenta inspirações e batalhas
Manoel Pereira
Transitando pela arte de fazer música e usando o rap como um canal para expressar seus sentimentos e pontos de vista sobre o mundo, Wesley Lucas Silva, de 29 anos, trabalha como eletricista para manter sua sobrevivência. É assim que ele consegue uma remuneração melhor, mas é no rap que está a sua paixão e sonho de carreira. Na estrada há 15 anos, o Mensageiro MC, como é mais conhecido, lançou em 2020 o seu primeiro disco, ou mixtape, com o título Imortal e 10 músicas próprias.
Considero um pouco complexo falar sobre uma carreira. Eu acho que até hoje não consegui constituir uma, devido às minhas outras ocupações profissionais”, pondera.
Mas a trajetória de Mensageiro MC como uma personalidade do rap remonta a 2010, quando gravou um primeiro EP, sem título. Já em 2015 veio o seu clipe pioneiro, de “Papel, caneta e coração”, com edição e direção de Walber Browne, que pode ser conferido no YouTube.
MC Mensageiro representou o Maranhão em festival de rap realizado em Manaus. (foto: Cila Reis)
Em julho de 2021, Wesley foi o segundo colocado com o rap “Glória”, no Festival Hip Hop diManaus, apresentando-se no Teatro Amazonas. “Me senti muito honrado em representar a minha cidade e o meu estado em terras da capital amazonense. Eu não esperava pelo prêmio, mas ele veio. Foi formidável me apresentar em um dos teatros, diga-se de passagem, mais lindos do mundo”, considera o rapper.
Mensageiro se define como alguém que não para. Ele gosta do movimento e de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Durante a conversa para a reportagem, respondia às perguntas enquanto cozinhava um arroz e preparava no liquidificador uma vitamina de abacate. Ao fundo, uma música tocando no seu celular servia de trilha sonora para uma de suas primeiras declarações: seu pai morreu quando ele tinha 9 anos, algo que exigiu um amadurecimento precoce para lidar com as dificuldades.
Principalmente, segundo ele, “por ser um homem negro, pobre e periférico”. Entre desafios, perdas e ganhos, Wesley conta que encontrou no rap, ainda bem jovem, outra perspectiva sobre o mundo. Mensageiro acredita que esse estilo o fez entender seu papel na sociedade e as dificuldades que enfrentaria na vida. Diz que passou a fazer das rimas do hip-hop não só sua válvula de escape para momentos de lazer e diversão, mas um canal para expressar as suas ideais.
Wesley considera que o preconceito e a exclusão social são fatos e, para um homem negro, acontecem em dobro. “Você é marginalizado e associado a coisas negativas. Se você tenta fazer arte, não te enxergam como artista, mas como um vagabundo. Mas o rap é sobre isso, sobre continuar a luta, ir contra esse sistema tão opressor, que mais tira do que dá oportunidade”. O artista reflete que viver de música é difícil até quando se atingiu a fama. “Imagine do rap, que é tão marginalizado. A realidade é que é bem difícil, faltam oportunidades, falta valorização, falta abrirem as portas mesmo, mas desistir é pior”.
Inspirações
Sobre como tudo começou, Wesley cita a influência de seu pai: “Ele sempre ouviu muita música e eu acabava ouvindo também. Ele gostava de discos de reggae, então, eu ficava sempre acompanhando esse estilo musical, que acabou sendo muito presente na minha infância”, conta. O nome do seu primo, Eric, por exemplo, é uma homenagem ao cantor de reggae Eric Donaldson.
Mas o rap apareceu mesmo na vida de Mensageiro MC em março de 2007. “Fui visitar um amigo e ele me disse que ali no bairro dele, na rua de cima, tinha um conhecido dele fazendo um movimento de rap. Fui com esse meu amigo para conhecer e me trataram muito bem. Logo me enturmei e em pouco tempo me vi fazendo parte do movimento também”, relata Wesley.
O rapper explica que já ouvia o estilo desde 1999, mas ressalta que os novos amigos promoveram um contato mais direto. “Por causa dessa influência eu comecei a escrever as letras e tudo mais. Foram eles que me disseram que o meu nome não ficaria legal para rap. E aí sugeriram que eu me chamasse Mensageiro e ficou assim até hoje”, lembra.
Referências
Das influências musicais, Wesley cita o trabalho do seresteiro Osternio. “Acho ele um mestre. A voz dele é foda, não entendendo muito bem de voz não, mas a voz dele é massa demais”. O rapper não o conhece pessoalmente e conta que gostaria de cantar com ele. Mas do cenário nacional, quem mais chama a atenção de Mensageiro são os Racionais MC's, grupo brasileiro de rap fundado em 1988.
“Eu não sabia se tinha uma carreira promissora, mas eu comecei a ver em mim um certo talento quando conheci os Racionais. O Brown [Mano Brown, líder do grupo], cara, eu o conheci pessoalmente e vi que ele é uma pessoa muito humilde”. Nesta ocasião, Mensageiro recebeu elogios de Brown, principal ídolo do rap nacional. “Ele me viu cantando e falou que eu era da hora e tal. Isso pra mim foi um incentivo e tanto, com certeza marcou minha carreira e me motivou bastante a continuar nessa jornada. E eu segui firme, né, mano? Sempre acreditando no rap”.
Ainda sobre os Racionais, Wesley enfatiza a importância do grupo. “Quem me inspirou no rap mesmo foram os Racionais, sempre. Eles são de longe um dos maiores e mais importantes. As letras e todo o trabalho deles direcionam e abrem os olhos de muitas pessoas por aí”. Mensageiro recorda a música “Voz ativa”, do mesmo grupo, que diz: “Precisamos de um líder de crédito popular como Malcom X, em outros tempos foi na América. Que seja negro até os ossos, um dos nossos. E reconstrua nosso orgulho que foi feito em destroços”.
Para Wesley, falta justamente a valorização dos líderes negros. “A gente vai passar a vida todinha na escola, a gente faz o ensino fundamental, o médio e a gente nunca vai saber quem são nossos líderes de verdade, quem foi Zumbi, quem foi Negro Cosme. E os Racionais cantam uma crítica sobre isso. E sobre tantas outras coisas que são marginalizadas pela sociedade”.
Dos artistas internacionais, Wesley cita alguns e brinca: “De fora, minhas referências na música são Michael Jackson, James Brown, Ray Charles... são vários, mas esses são os que eu estou lembrando agora”. Ele prefere não misturar muito as influências brasileiras com as estrangeiras, senão a “salada” fica muito grande. “Eu não confio muito nas pessoas que falam que são ecléticas”.
Mensageiro
Todo mensageiro leva alguma mensagem, diz algo para alguém. E Wesley tem feito isso para seu público: “Levo a mensagem de que todos somos capazes de fazer algo na vida, que o negro, o pobre, o periférico, também tem seu lugar. Que nós também somos gente. Parece algo simples e óbvio, mas que precisa, sim, ser reforçado todos os dias, porque as diferenças e injustiças sociais estão por aí”.
Ele usa o rap como forma de enfrentar injustiças. “Se não é justo, não devemos ficar quietos. E eu faço isso através do rap, nas rimas, nos versos, nos diálogos...” Wesley diz que até mesmo nas redes sociais, quando posta algo defendendo as suas ideias e alguém vem discutir, dizer que vai parar de falar com ele, não costuma fugir do debate. “Sempre vou defender minha raça, meu povo.”
Sobrevivendo na pandemia
Com o isolamento social e o cancelamento de shows e eventos em todo o mundo por causa da pandemia da Covid-19, principalmente nos anos de 2020 e 2021, Wesley teve que suspender as suas apresentações e confessa que viveu momentos difíceis nos meses de auge da infecção. “Está tudo muito caro, desde o início da pandemia subiram os preços das coisas, e nem precisa ser economista para saber disso. Nossa moeda está muito desvalorizada e nosso poder de compra caiu muito. Já era difícil antes, sempre faltou oportunidades, imagine agora”.
Wesley comenta que muitos pensam que ele é muito novo, mas está chegando aos 30 anos. “As prioridades mudam, né, mano? Domingo passado eu estava em um bar ali com um parceiro, aí uma parceira falou ‘e aí, mano, tô sabendo que você é MC’ e eu respondi: ‘Sou ex-MC’. E ela: ‘Quem é do rap nunca deixa de ser do rap, quem é da música nunca deixa a parada, nunca morre, ela sempre estará dentro de você’”.
A chamada da amiga fez Mensageiro lembrar de uma entrevista do rapper Mano Brown, sobre como a música traga a sua vida. “Você se envolve e não tem como voltar. No momento as coisas estão meio incertas, tempos complicados demais, mas tudo pode acontecer. Entrei no rap como um hobby, fazendo por diversão. Em 2010 gravei um EP, em 2015 fiz um clipe, comecei a gravar um CD em 2017 e lancei em 2020, mas no geral tudo mais para os amigos mesmo, uma coisa mais íntima.”
Para a vida ele tem como maior desejo ver a família bem. “O meu sonho também é sobreviver, porque não está fácil para ninguém. Também sonho em ver o mundo livre, ver um lugar sem opressão, sem desigualdade e com oportunidades. São vários sonhos, e eu fiz até um post a respeito disso sobre um ancestral que diz: ‘Ei, negão, ele não pode matar os seus sonhos’”.
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