“Oscilo entre o sarcasmo, a crítica social e a fantasia”
Ator, dramaturgo, poeta e performista Rogério Batista de Sousa, de Lago da Pedra (MA)
Deumárya da Conceição de Oliveira
Lago da Pedra, uma cidade do interior do Maranhão, distante 310 km de São Luís, tem uma cultura diversificada, mas com pouca notoriedade. As limitações são muitas, mas aqueles que trabalham diretamente com essas ações no dia a dia persistem. O entrevistado é o ator, dramaturgo, poeta e performista Rogério Batista de Sousa, 36 anos.
Professor da rede pública e natural da cidade, é um fomentador de atividades culturais, compondo a equipe que organiza eventos literários e artísticos promovidos no município. Ele faz parte da Secretaria de Cultura e Juventude, como coordenador de projetos. A entrevista foi realizada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, em janeiro, e atualizada em junho.
Peça "O mistério da pedra do lago", de 2010, foi marco para o reconhecimento público de Rogério Batista (foto: divulgação)
A trajetória de Rogério Batista começou nas peças teatrais criadas durante a graduação em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Em 2020, apresentou O mistério da Pedra do Lago, no espaço Forró da Velha, a partir de um projeto incentivado pela Lei Aldir Blanc.
Rogério Batista diz que fez o que pode, dadas as circunstâncias, para a produção teatral de sua cidade, para a qual falta incentivo. Na sua opinião, isso não é apenas um problema da região, mas estrutural, já que o teatro é bem mais reconhecido nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Rogério acredita que a pandemia da Covid-19 atrapalhou sua ideia de criar uma companhia teatral e que apresentações virtuais "perdem o encanto e a magia do teatro ao vivo”. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Sibita: O que é o teatro para você?
Rogério Batista: Uma forma de materializar a ficção de maneira mais orgânica para o público, ou seja, uma experiência única para o espectador e para os artistas.
S: Qual a sua relação com o teatro? Conte um pouco da sua experiência.
RB: Desde a tenra idade, senti uma atração natural pelo teatro. Desse jeito, no dia a dia, era como se fosse possível internalizar elementos de construção de personagens. Algo meio maluco, pois não tinha formação técnica, mas conseguia compreender esse universo. De forma concreta, no Ensino Médio e na Universidade, durante o curso de Letras é que tive a liberdade e oportunidade de transformar conteúdos com linguagem teatral.
S: Como se estrutura a apresentação de peças teatrais em Lago da Pedra, uma cidade pequena, que não tem teatro? Há um público interessado em ver essas apresentações?
RB: Sim. Sem dúvida alguma há público interessado, porém, assim como o Brasil como um todo, o teatro é centralizado no Rio de Janeiro e São Paulo. Encenações teatrais são comuns na Igreja Católica Romana em momentos específicos, como o trânsito de São Francisco e a Via Sacra. No meu caso, durante o curso de Letras, o teatro começou a receber notoriedade, pois em eventos acadêmicos fazíamos muitas apresentações teatrais de adaptações de clássicos da literatura. Uma peça teatral original de autoria minha foi O lago encantado de Neverland, que possui uma temática fantástica em torno da lenda da pedra do lago, que dá nome à cidade, Lago da Pedra. Além disso, outro tema que gosto é o mistério. No caso, escrevi uma peça que trata de uma adaptação de Drácula de Bram Stoker e usei a temática como uma crítica à política maranhense.
S: Quais são os temas mais presentes em suas peças teatrais? Ou você não se prende a temáticas?
RB: Oscila entre o sarcasmo, a crítica social e a fantasia.
S: Como escritor e dramaturgo, como você definiria a sua jornada pelo mundo das letras?
RB: Acredito que, dado às circunstâncias, fiz o que estava ao meu alcance. No interior do Maranhão não existe teatro de forma profissional e a demanda de um espetáculo é muito grande, tanto financeira como técnica, o que torna inviável fazer um espetáculo como gostaria.
S: Há alguma obra sua publicada?
RB: As peças teatrais O lago encantado de Neverland e Operação Drácula: o Maranhão corre perigo não estão publicadas, mas fazem parte do gosto popular de estudantes da cidade, visto que é comum me procurarem para encenarem as peças em suas escolas.
S: Em meio à pandemia e a quarentena, as atividades teatrais pararam? E como foi a retomada? Usaram o meio digital como aliado?
RB: Houve um apoio da Lei Aldir Blanc, foi possível fazer um espetáculo com uma boa equipe, sendo este o único trabalho nesse período. Tinha iniciado um grupo de teatro no mesmo período da pandemia, por essa razão, o trabalho ficou engavetado e não desenvolvi de forma remota.
S: O meio digital foi usado para apresentações teatrais. Você acredita que há uma nova forma estética de fazer teatro e ressignificar a relação com o público?
RB: Perde o encanto e a magia do teatro ao vivo. Acompanhei alguns espetáculos transmitidos e não achei nada atraente.
S: Descreva um pouco da sua trajetória artística.
Trajetória artística é uma gentileza, pois o trabalho com arte sempre foi no âmbito da escola e da faculdade, com montagem de peça teatral, produção de poema, pintura e participação de concurso de poesia. Mas considero que desde 2010, com a produção da peça teatral O mistério da pedra do lago para apresentação em um evento dos cursos de Letras e Biologia pela UEMA, em Lago da Pedra, é que tive o reconhecimento público como produtor cultural. Acredito que isso se deu pela qualidade e seriedade que todos os envolvidos na peça dedicaram. Daí por diante, participei de concursos de poesia e em antologias.
Assista aqui o registro no YouTube da peça O mistério da pedra do lago: https://www.youtube.com/watch?v=92EPlB6iIwc
Peça "O mistério da pedra do lago", de 2010, foi marco para o reconhecimento público de Rogério Batista. (foto: divulgação)
S: Qual sua opinião entre a arte cênica e os assuntos sociais e políticos? Para você, elas podem se entrelaçar ou não é função da arte?
RB: No teatro há espaço para o humor pastelão e questões político-sociais. Vai depender muito do autor, do grupo de teatro.
S: Você tem algum tipo de apoio para montar seus espetáculos?
RB: Apoio moral, ou seja, as pessoas dizem que gostam, que eu deveria fazer mais. No entanto, teatro exige ensaios, tempo, figurino, cenário, iluminação, equipamentos de som e se torna inviável na nossa realidade. Esses recursos são fundamentais, sem isso, o que há são trabalhos amadores e sem muita qualidade. No fim das contas, não existe apoio de verdade.
S: Algum plano para 2022 no âmbito do seu trabalho de coordenador de projetos?
RB: Atualmente, estamos engajados nas festas juninas. Nesse caso, o Centro Cultural Souzinha Catingueiro passou por uma grande transformação para tornar o ambiente mais seguro, bonito e agradável para os brincantes. Para isso, realizamos pintura temática nas escadarias do acesso principal ao Centro Cultural, produzimos uma vila junina e a arena para as quadrilhas se apresentarem. Em paralelo, coordenamos a realização de Contação de Histórias nas bibliotecas, um projeto da Secretaria de Cultura. Cada biblioteca convida uma pessoa da comunidade, de notório conhecimento popular sobre determinado tema, para contar aos visitantes sobre assuntos relacionados com a história do município. Por exemplo, no dia 22 de junho, falou um professor que tem conhecimento de vivências na formação de quadrilhas na cidade ao longo dos anos. Esses são os que estão em andamento e de forma contínua. Outra atividade que está em execução é a Capoeira do Povo, um projeto que ocorre de forma periódica em praças públicas e tem por finalidade a sua prática. Além disso, estamos em processo de formação da escola de música Jeová Batista, na qual ocorrerão aulas de bateria, violão, formação da banda marcial e outros.
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