"Eu me considero um pai de multidões"
Naldo Belone, do Projeto Batuk, incentiva os esportes e as artes entre crianças
Lícia Gomes
“Por volta dos cinco anos de idade eu ganhei um tênis e tinha outro já velhinho. Do jeito que ganhei, eu dei para o coleguinha do lado e disse para minha mãe: ‘Ah, mãe, eu só tenho dois pés, pra que vou querer mais um par de sapatos?”, lembra Naldo Belone, fundador do Projeto Batuk, em Imperatriz, que, desde criança, acredita ter uma missão social. Nascido na cidade de Zé Doca (320 km de São Luís), no Maranhão, ele via que a fome e a desigualdade eram muito grandes. Desde então, sentiu-se tocado com as situações e surgiria ali a preocupação de cuidar do próximo. “Eu amo gente”, afirma. O projeto vai completar 10 anos de atividades em dezembro de 2022.
Crescido em comunidades negligenciadas, era possível ver a dificuldade exposta à sua frente. “Se a fome dos nossos semelhantes não nos tocar de alguma forma, acredito que estamos no planeta errado. Eu não consigo ver uma injustiça, ficar parado ou ir embora, não dá.”
Com seus pais e irmãos morando em Imperatriz, Naldo veio de São Paulo, em 2010, para trabalhar, já que tinha ficado desempregado. “Construí uma casa com dois cômodos para morar com minha família”, e foi quando tudo começou. “A ferida social já estava aberta, de querer fazer e realizar”.
Continuou a trabalhar e a ação social foi se consolidando nos pequenos gestos. “Via uma criança no portão, dava um café, uma sacola de pão, convidava para jantar. E isso foi só crescendo dentro de mim”. Inicialmente sem o apoio da família e ainda assim sem muitas condições, ele não desistiu. “Sempre pensei da seguinte forma: se eu parar no meio da caminhada para lamber feridas, eu não avanço”.
Desde muito jovem, Naldo Belone já desenvolvia uma preocupação social. (foto: arquivo pessoal/reprodução)
Para Naldo, o seu trabalho precisa “estar entrelaçado na alma, no coração”. O amor pela música e pelas artes em geral fez Belone fundar, junto com sua esposa, Ellen Ornelas, em 2012, o projeto social Batuk, que tem como objetivo ajudar crianças em situação de risco por meio de atividades artísticas, musicais e esportivas.
Aos poucos, tudo foi crescendo, não era necessário juntar muito para modificar realidades. “Quando eu ia para o serviço, via uma padaria que sobrava muitos pães ao final do dia. Eu ia falar com o dono e dizia: ‘Ei cara, me dá esses pães, que na comunidade que eu moro é assim, assim e assim’”, explicava a situação para o padeiro.
Assim ele percebeu que ofertando mesmo pouco, a diferença social ocorria. “Isso foi começando a crescer, eu conseguia dar cinco cestas básicas em um mês, o que tem relevância pra dentro de uma comunidade que não possui nenhuma assistência”.
A instituição
O Projeto Social Batuk é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos e econômicos, sustentada por meio de doações. Por isso, necessita dos utensílios mais básicos para manutenção de suas atividades, como itens de higiene pessoal, lanches, material escolar e roupas.
Para contribuir, Naldo abriu mão de bens materiais. “Vendi meu carro. Minha mãe ficou quase um ano sem falar comigo, todo mundo me chamava de louco”. Mas isso não era motivo para que ele abandonasse as ações. “Eu nunca me importei com o que as pessoas acham e falam. Se você tem um ideal, pelo menos você tem que acreditar”.
Mesmo assim, Naldo lembra ter passado por momentos difíceis, embora os encare como lição. “Nenhuma adversidade vem para querer me destruir, e sim para trabalhar o meu caráter, minha capacidade de resiliência, de me reinventar, de subir e me fortalecer”.
As principais parcerias da instituição são feitas com a iniciativa privada. Em 2019, Belone conseguiu um convênio com a Prefeitura de Imperatriz a partir da aprovação de um edital do Fundo da Criança e do Adolescente, que gere recursos destinados ao atendimento das ações voltadas a este público. O dinheiro garante, até hoje, que aulas educativas, atividades artísticas e lanche sejam oferecidas aos alunos.
Atualmente, 45 crianças, entre 4 e 5 anos de idade, estão vinculadas ao Projeto Batuk. Adolescentes que são irmãos de alguns dos inscritos também participam. São oferecidas aulas esportivas, como o jiu-jitsu, educativas, como reforço escolar, e musicais, de bateria, ukulele, violão, percussão e flauta.
O auge da pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, suspendeu as atividades presenciais por um tempo, mas o trabalho social não foi interrompido. Eles conseguiram doações destinadas, para não entrarem em contato com quem fosse receber as cestas e também para não saírem de casa. “Distribuímos mais de 2 mil cestas básicas durante os sete primeiros meses de pandemia”, conta Naldo, destacando que o total chegou a 4 mil. As pessoas contribuíram por meio da caixinha do ‘Bazar Solidário’, que foi espalhada nas lojas parceiras da cidade.
Naldo Belone acredita que é possível educar a partir das atividades que o projeto oferece. E também incentiva os alunos a se desenvolverem na escola, que fica a 100 metros da sede, o que facilita o acompanhamento direto. Além da educação, a diversão é essencial na formação das crianças. Mas o Tio Belone, como é conhecido, também organiza momentos de descontração. “A gente vive fazendo festa. Sempre criamos um motivo para estarmos juntos”.
Antes da pandemia, eles organizavam as festas de aniversário de cada um dos alunos de acordo com o mês, projetavam filmes, comemoravam o Dia das Crianças e preparavam a ceia de Natal. “Já chegamos a fazer uma ceia de Natal com mais de 500 crianças, fora os pais”. Suspensas por um período, agora as atividades estão retornando aos poucos.
"A gente vive fazendo festas. Criamos motivos para estarmos juntos", diz Belone. (foto: arquivo Batuk)
Cultivando “tâmaras”
Sendo um projeto de cunho social, são muitas as dificuldades enfrentadas, como a falta de apoio solidário, tal como financeiro. Situações algumas vezes negligenciadas pelo poder público. “Eu sempre brigo nas reuniões de Conselho do Estado. Vocês têm tanto dinheiro para o tratamento e para a prevenção não tem nada.” A instituição está caminhando para os dez anos, mas ainda assim desafios são enfrentados. “Temos título de utilidade pública, somos respeitados, mas não temos dinheiro. É muito difícil”, enfatiza Belone.
No início da instituição, as atividades eram desenvolvidas na própria casa de Belone ou em lugares alugados ou cedidos, como quadras de esportes escolares. “Nós pagamos esse terreno há nove anos”, relata.
Depois de tanto lutarem, conseguiram comprar um espaço físico no bairro Vila Vitória. “Tem sido muito difícil, mas nós não acreditamos no impossível”. Nos últimos seis anos, ele está envolvido apenas em prol do projeto, não desenvolvendo trabalho à parte. “A gente faz um bazar, constrói um móvel e vende, paga uma conta de energia e busca parcerias”.
As crianças que participam do trabalho social do tio Belone têm a oportunidade de se desenvolverem com humanidade. Mas Naldo diz sentir a falta de comprometimento dos familiares. “Os pais não participam de nada. Nossa maior dificuldade não são os filhos, são os pais”. Ele considera que tanto ele quanto a sua esposa, que também participa do projeto, muitas vezes se sentem “o cocô do cavalo do bandido”.
Ao visitar algumas casas, Belone vê a necessidade de incentivo dentro da residência dos alunos. “Cê vai à casa de um cara de 14, 15 anos de idade, às 10 horas da manhã, e ele tá dormindo. Casa de chão batido, sem nenhum banheiro, mas tá lá, cinco, seis adolescentes dormindo. Como vou mudar essa situação? De um pai que briga comigo por eu chamar atenção do filho para ele ir estudar?”
Belone acredita que se sente um cultivador de tâmaras. “Quem planta tâmaras, não as come. Não tenho esperança em colher meus frutos, mas que a geração futura colha aquilo que estou plantando com minha esposa com tanto amor e dedicação”.
O projeto, de caráter social, não conta com voluntários da comunidade e Naldo afirma que isso se deve a um problema cultural na região. “O voluntário vem, chora, faz selfies, vídeos, aí posta na rede social e acabou a paixão”.
A maioria dos admiradores que ajudam a manter o trabalho são da França, Europa, Japão, Canadá e EUA. “As pessoas na nossa região têm um apego financeiro, não social”, comenta Naldo, acrescentando que elas até visitam, mas não abraçam a causa. “Se não tiver pautado em amor, fé e esperança, de que um dia você vai marcar a vida de alguém, as pessoas param”.
O voluntariado é fundamental para qualquer projeto, mas ainda existe uma necessidade gritante. Algumas pessoas falam em desenvolver um projeto desse ramo, porque acham “lindo” o que Belone e sua esposa realizam. “Quem quer ajudar, soma com quem já anda. Começar algo do zero não é brincadeira”, queixa-se Belone sobre a falta de apoio e de voluntários.
Família e trabalho social
“Eu me considero um pai de multidões”, diz Naldo, ao referir-se a todas crianças vinculadas ao projeto. A família e o trabalho social estão sempre juntos. Belone, de 46 anos, diz que os filhos, Samuel, 13 anos, e Matheus, de 17, às vezes cobram, mas logo perceberam que não há como separar, por isso acabam ajudando nas ações sociais.
Para conseguir atuar de forma mais direta no Batuk, a esposa Ellen Ornelas, 41 anos, formou-se em Serviço Social. “A família é o centro, é à base de tudo isso”, ressalta Belone. Antes de sair de casa, ele pergunta aos filhos o que eles já fizeram de bom e se já geraram conteúdo. Faz isso para incentivá-los a como desenvolver o social a partir das iniciativas pessoais. “Se não fosse a minha família eu olharia para um lado, olharia para o outro e desistiria”.
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