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Poesia de imagens, tragédias e alegrias

Escritor Paulo Rodrigues venceu três prêmios importantes de literatura


Joilson Barros


O poeta maranhense Paulo Rodrigues, membro da Academia Poética Brasileira e morador de Santa Inês, vem chamando a atenção do universo literário brasileiro depois de vencer três importantes prêmios. Foi o primeiro maranhense a chegar à final e vencer o Prêmio Internacional de Poesia Literatura & Fechadura, que reúne escritores dos países que falam a língua portuguesa, com o livro Cinelândia, em 2020.

Paulo venceu, ainda, o segundo lugar do Prêmio Álvares de Azevedo, com Uma interpretação para São Gregório (2019) e, com a mesma obra poética, tornou-se o quarto maranhense a ser premiado pela União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, (UBE/RJ). “Ganhar esse prêmio no Rio de Janeiro, receber o prêmio na Academia Brasileira de Letras, me entusiasmou demais para continuar me formando como leitor e para continuar trabalhando a construção da obra literária”, reflete o escritor, que é formado em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura pela mesma instituição.


Nascido em Caxias, terra natal de Gonçalves Dias, o poeta mudou-se com a família para a cidade de Santa Inês (MA) na sua infância. “Eu acredito muito numa fala do Luiz Ruffato, esse grande romancista contemporâneo. Ele diz que a primeira tarefa do escritor é se formar como leitor. Então a minha primeira tarefa, eu tenho essa consciência, é de ser um grande leitor”, afirma.


Paulo Rodrigues busca, então, em suas lembranças, quando começou a mergulhar no mundo da literatura. Tudo teve início no quinto ano do ensino fundamental, na extinta escola Inês Galvão, com o professor Pedro Filho. Naquele ano de 1994, na cidade de Santa Inês do Maranhão, foram esboçados os primeiros textos do então garoto que hoje, adulto, continua a escrever e a participar de concursos de literatura nacional e internacional.


O livro premiado Uma interpretação para São Gregório o marcou no cenário nacional. “Ganhar um prêmio da UBE, que esses três grandes poetas maranhenses, Ferreira Gullar, Salgado Maranhão e Nauro Machado também ganharam, é extremamente importante para a carreira de um produtor de literatura que vive no interior do Maranhão, portanto, no interior do Brasil, não é algo fácil”, analisa o poeta.


Paulo Rodrigues vive na cidade de Santa Inês do Maranhão, a 245 km da capital, São Luís. “É muito difícil produzir literatura no "interior do interior", porque a visibilidade é minúscula, ela só acontece quando você é premiado e você passa a ter um reconhecimento nacional pela premiação. Se ela não existir, ninguém praticamente vai conhecer sua obra fora do seu círculo”, pontua o poeta.


Uma interpretação para São Gregório foi escrito em um período de seis a oito meses. O tempo, segundo ele, varia muito para se terminar um livro e esta obra é marcada pela memória e por um olhar sociológico para a existência. “Um livro que questiona a própria questão da injustiça social. Tanto é que faz uma referência direta a São Gregório, que foi papa e prefeito em Roma [entre 590 e 604 DC]. Um sujeito que tinha uma família com muitas propriedades e que abandona o dinheiro para servir os outros, por isso essa relação com ele”, explica.


Paulo Rodrigues ressalta que, ao desenvolver uma obra poética, muitas vezes ela vai surgindo ao acaso. “A vida vai me preenchendo de fatos, acontecimentos, imagens, tragédias e alegrias”. O autor também revela outra forma de criar. “Eu sou um escritor e poeta que observo demais, um observador social. Meu olhar é muito sociológico, é sentir, viver e, depois daquilo estar impregnado em mim, tentar transpor a própria vida para uma gramática literária”.


Ele acrescenta que há uma marca constante na sua produção poética: o desejo de transfigurar para a linguagem literária o seu “olhar sociológico sobre o Brasil, o Maranhão, o homem, a vida”. Em síntese, o poeta expressa qual é a base para a sua escrita: “O que me inspira é a vida. E não somente a minha vida, a vida dos outros também me interessa”.


Ler e escrever no interior


O olhar poético-sociológico de Paulo Rodrigues nasceu com os livros O abrigo de Orfeu (2017) e Escombros de ninguém (2018), obras publicadas pela Penalux, de São Paulo, editora que tem revelado autores contemporâneos do Maranhão. Ele comenta que em Santa Inês há muitos autores com obras literárias de qualidade e elenca alguns, como a poeta Luiza Cantanhêde, que foi destaque em 2019, no Nordeste em Poesia e Evilásio Júnior, um poeta, ensaísta e escritor. “São vozes que aparecem para o estado e o Brasil e em Santa Inês, por essa necessidade de formar leitores, são muitas vezes silenciados. A cidade os desconhece”.


Paulo Rodrigues frisa que em Santa Inês a realidade brasileira do número escasso de leitores se reproduz e alega não perceber ações do Poder Público, como ele mesmo exemplifica: “Feiras do livro, encontro de escritores, debates sobre a leitura, ampliação de bibliotecas, discursividade em torno do campo da formação do leitor”.


Mesmo assim, o escritor não pensa em sair da cidade. “Eu acho que dá para atingir a literatura nacional e até internacional produzindo aqui mesmo, desde que a obra tenha qualidade. Então, morar aqui, em São Paulo ou Barcelona, não vai fazer diferença”.


Antes de qualquer coisa, Paulo Rodrigues se confessa um apaixonado por Santa Inês. “É um lugar que eu amo, é o meu chão, a minha terra. E daqui representar o meu povo e minha gente na literatura brasileira e, por que não, internacional?”.


Literatura sociológica


No poema “Hollywood”, presente na obra Cinelândia, que o escritor recita para reportagem, fica explícita sua preocupação social:


Sentava-se na esquina de costa para as ruas

A mesma camisa

A mesma calça

Os mesmos sapatos

Era um homem invisível

Catava feijão

Nunca ouviu falar em mais-valia

Sonhou com um barranco na Serra Pelada

Curou-se da doença

Não do feijão.


O livro Cinelândia, que se refere à região do Rio de Janeiro que concentrou, no passado, muitos cinemas clássicos, foi concebido com recursos que evocam a linguagem visual. “Eu levo já o título para a questão cinematográfica e aí eu pego um acontecimento real da vida cotidiana para transformá-lo em literatura”. Segundo o escritor, “é como se fosse um filme passando em partes na frente da pessoa”.


Repórter Joilson Barros, à esquerda, durante conversa com o premiado escritor. (foto: Luiza Cantanhêde)


O autor revela que o homem citado no poema "Hollywood" era um morador do bairro São Benedito, de Santa Inês-MA, vendedor de feijão, maxixe, quiabo e que se desgastou a vida inteira neste trabalho. “Um homem negro, analfabeto, excluído, isolado. Ninguém nunca viu ele, ninguém olhou. Ele existia, mas não existia, porque as classes sociais injustiçadas nesse país, elas são invisibilizadas. Eu olhei o Zé Francisco, todo dia ele catava o feijão, ele abria as palhas, ele colocava num saquinho para vender no outro dia cedo. Ele faleceu. Morreu. Ele viveu invisível e morreu invisível. Quando eu dei falta dele, esse poema nasceu. Mas esse poema nasce não só para falar do Zé Francisco, para fazer uma análise dessas pessoas que estão excluídas e que ninguém vê”.


O olhar profundo do poeta revela-se, também, nos versos: "Sentava-se na esquina de costas para a rua / A mesma camisa / A mesma calça / Os mesmos sapatos". Paulo notava que Seu Zé Francisco repetia as roupas. “A roupa era doada por alguém. A doação não acontecia sempre e ele repetia. Eu visto uma camisa agora, depois do almoço, eu vou vestir outra. Ele não”.


Paulo Rodrigues confessa que escreve para não “morrer entalado”, com espinha na garganta. “Preciso dizer das minhas impressões sobre o mundo, sobre o dia, sobre a rosa, sobre o menino jogado na calçada, de que forma isso me marca no cotidiano da vida e como eu posso trabalhar isso que me marca numa linguagem que seja literária”.


O leitor pode conferir outros poemas de destaque de Paulo Rodrigues publicados na Germina-revista de Literatura e Arte.


Livros publicados do poeta Paulo Rodrigues


Dissonâncias poéticas em poemas acidentais (Editora 360°, 2013)

Crônicas da cidade e outras narrativas (Editora 360°, 2014)

Apenas um sujeito lírico (Editora 360°, 2015)

O abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017)

Escombros de ninguém (Editora Penalux, 2018)

Uma interpretação para São Gregório (Editora Penalux, 2019)

Babaçu lâmina (Editora Patuá, 2019)

Cinelândia (Editora Folheando, 2021)

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