“Ribamar, você é um poeta! E não é que eu acreditei?’
Em entrevista coletiva o escritor Ribamar Silva conta sua trajetória e de novo livro
Artur Marques
Carol Sena
Gidel Sena
Maria Eduarda Santos
Mateus Farias
Paulo Rayan
Conhecido por ser autor de mais de 20 livros, o professor, poeta e escritor Ribamar Silva, membro da Academia Imperatrizense de Letras, relembrou, em entrevista coletiva ao Zine Sibita, seus primeiros e difíceis anos de formação, sua intensa convivência com os livros, além das influências literárias ocorridas ainda na infância e na adolescência.
Os versos de Ribamar Silva já despertavam a atenção de educadores no Ensino Fundamental. (foto Hudson Frota / Virtus Imersão)
Ribamar nasceu em 8 de setembro de 1956, em um povoado próximo a Presidente Dutra (MA). Com 11 anos, mudou-se para o município de João Lisboa, que ainda chamava-se Gameleira, e, um ano depois, veio para Imperatriz, onde vive até hoje.
Dentre as obras que fazem parte do currículo literário do poeta, estão Fragmentos de mim, Rosas e espinhos, Quintessência, Poemação, O dragão de sete cabeças, co-autoria com Manu Rolim, Brevíssima Canção, escrito em conjunto com Nilson Santos, Pé de moleque e Punhado de estrelas, coautoria com Ribamar Fiquene e Adelma Pimentel.
Ribamar Silva disse que, antes da tecnologia dos smartphones, chegou a vender mais de dois mil livros de porta em porta. Mas confessa que hoje em dia as tiragens são bem menores, porque não tem mais o mesmo pique para as vendas. Acaba oferecendo suas obras para amigos e colegas de convívio diário: “Até para os inimigos”, brinca. Por muito tempo o escritor desejou reunir num só volume o que lhe parecia melhor em sua produção poética. O esforço acabou resultando no livro recente Ao entardecer.
Ele explica que mudou a essência e a forma, pois havia várias possibilidades de abordagem: técnica, estética, filosófica, afetiva... Optou pela última e deixou as demais para críticos. A filosófica, aos pensadores e professores de literatura, se o desejarem, mas o principal ele encontrou ao entardecer. Para Ribamar Silva, é uma obra que simplesmente trata de amor: “De formas de amar e às vezes de amar sem formas e sem fórmulas”. Nesta entrevista concedida aos estudantes da disciplina de Técnicas de Reportagem, do curso de Jornalismo da UFMA, o Zine Sibita convida você a entrar no universo múltiplo de Ribamar Silva.
Zine Sibita - Como você descobriu a poesia em sua vida?
Ribamar Silva - Eu sempre li e escrevi bastante ao longo da minha vida inteira. Mas eu queria ser escritor. No entanto, isso me soava tão distante da realidade...era outro mundo, outro momento da nossa história, as coisas muito mais difíceis. Mas eu estava um dia na sala de aula com a professora Consolação, lá em Carolina (MA), fazendo o final do Ensino Fundamental e ela, professora de Língua Portuguesa, Literatura, sugeriu que a gente produzisse um texto sobre o que quisesse. Eu olhei para uma janela e uma colega, entre mim e a janela, os raios solares se refletindo nos cabelos castanhos-claros dela. E eu transformei o dia na noite, o sol na lua e essa lua transfigurada, transformei num diadema e coloquei na cabeça da colega. Entregamos os textos e na aula seguinte a professora convidou alguns a lerem e eu fui um dos convidados. Eu terminei de ler e ela disse: “Ribamar, você é um poeta”. E não é que eu acreditei? (risos). Isso foi em 1973.
Z.S.- Você faz parte da história cultural da cidade. O que Imperatriz significa para o senhor?
R.S.- Eu nasci em um lugarzinho com o nome de fruta, Jenipapo. Fica a duas léguas, dez quilômetros de Presidente Dutra, que nessa época ainda era chamada de Curador. Foi em 1956 que eu nasci. Eu não queria vir me embora de lá de jeito nenhum. Meu avô era um homem muito bem de vida, mas adoeceu, passou 16 anos doente. Ele era uma espécie de coronel que mandava na família toda, todo mundo era satélite dele. Quando ele morreu, perdeu os bens e a família começou a viver numa situação de pobreza muito grande. Ele deixou dívidas para trás, e a família foi obrigada a vender tudo que era bem para pagar dívidas de banco, esse tipo de coisa. E meus pais resolveram vir para Imperatriz, porque já tinham vindo uma vez. Sou o neto mais velho dos meus avós maternos, sou afilhado de batismo dos meus avós maternos e eu nasci dentro da casa deles. Eles não me deixaram ir embora, ficaram me criando lá. Meus pais sempre moraram perto deles por causa disso. Mas, em 1958, meus pais se mudaram, me deixaram criança com dois anos, eu me lembro como se fosse hoje, lembrança perfeita dessa época. E vieram embora para a nossa região, não para Imperatriz, mas para Gameleira, João Lisboa, vieram a pé. Não se deram muito bem, especialmente por causa de problemas de saúde. Meu irmão mais novo que eu, nasceu em João Lisboa e eles voltaram a pé, lá, para minha terra. E em 1968, então, nós voltamos, não viemos para Imperatriz, viemos para João Lisboa, para a zona rural. E fomos morar num lugar chamado Marajó. Ficamos dois anos lá e depois fomos para o Trecho Seco, na beira da BR, em frente à entrada de Cidelândia. E viemos para Imperatriz.
Imperatriz é a minha terra também, é a minha segunda terra. Eu tenho a honra, o parlamento municipal me concedeu o título de cidadania de Imperatriz e tudo o que eu fiz na vida eu fiz basicamente em Imperatriz, embora eu tenha morado em outros lugares.
Eu morei em Carolina (MA), Tucuruí (PA), por causa de emprego, e tal, morei em Macapá (AP) pouquíssimo tempo, e morei em Belém (PA), por causa de empresa também, mas eu sempre mantive a minha casa em Imperatriz. Então eu passei mais de 40 anos sem voltar ao meu povoado, com medo de apagar as minhas lembranças, minhas vivências de infância lá. E no dia que eu resolvi, eu já tinha escrito algumas coisas e eu resolvi voltar. Eu cheguei ao entardecer, vindo de São Luís para Presidente Dutra. Chegando na cidade, eu parei no plano mais alto e fiquei olhando o sol se pondo por trás do babaçual, lá é a região dos cocais. E escrevi uma paráfrase da Canção do Exílio [poema de Gonçalves Dias], escrevi lá na hora:
“Minha terra tem belezas, tem palmeiras, sabiás/ Tem noites de escuro e tem noites de luar/ Nas noites de escuridão, pirilampos vêm alumiar/ e o grilo, em seu canto, está sempre a celestar/ Lá tem ninho de João de Barro nas frontes do meu juá/ Lá tem concerto de pássaros que vivem a gorjear/ E é lá que as moças faceiras andam pelas veredas e no orvalho a se molhar/ E é lá que as tiranas, todas cobertas de flores, enfeitam os nossos caminhos e inspiram os nossos amores”.
Mas tudo isso só me aconteceu porque eu também me transformei em imperatrizense, tudo o que sou e sei vem de Imperatriz.
Z.S. - Como você encara a sua trajetória na perspectiva de suas principais conquistas?
R.S. - Eu na verdade olho para trás, assim, e acho que eu sou um vencedor mesmo, neste aspecto. Eu sou de Presidente Dutra e vim morar em Imperatriz, que estava vivendo um surto de progresso em 1979. Eu já escrevia antes, contribuía com jornais, o jornal da escola Graça Aranha foi fechado porque publicou um poema meu durante a ditadura. Eu fui expulso da minha escola nas vésperas de terminar o Ensino Médio, por causa da questão da ditadura. Acabei com o comício do partido do governo dentro da escola. Eu era o presidente do Grêmio, fui expulso, mas eu tinha feito o primeiro vestibular de Pedagogia da UFMA e queria me testar, ver como era esse negócio. Daí não terminei o ano e passei no vestibular. E fui convocado por edital para assumir ou para liberar a vaga. Como é que eu ia assumir se eu não tinha concluído o Ensino Médio? Não é hoje, que a legislação ampara, aproveita os conhecimentos e tal, a escola certifica e vamos embora. Na época, José de Ribamar Fiquene, que depois foi prefeito de Imperatriz, era o presidente da FESM, a Federação das Escolas Superiores do Maranhão, que hoje é a UEMA. Era meu amigo. Ligou para a empresa que eu trabalhava, o armazém Paraíba, soube pela imprensa que eu tinha passado no vestibular, que eu não tinha certificação para me matricular, ligou para a empresa, me chamaram para falar com ele, providenciou que eu fosse a São Luís me submeter à banca do Centro da Coordenaria do Ensino Supletivo do Governo do Estado do Maranhão. E eu fiquei oito horas fazendo provas no núcleo comum da Educação Básica e saí de lá com o certificado na mão. Vim correndo para o Hotel Presidente, onde estava a comissão e apresentei o certificado e me matriculei no curso de Pedagogia da UFMA. 1979. Então, em 1979, aconteceu muita coisa bacana em minha vida, eu terminei o Ensino Médio desta forma, entrei na universidade, me casei, tive a minha primeira filha e saí de vendedor para gerente da minha empresa. E sempre publiquei em algum canto, jornais, revistas, jornal mimeografado, esse tipo de coisa, qualquer coisa. E tive coluna no jornal O Progresso, se alguém quiser ver, a coluna Em Mural, quiser pesquisar, vai encontrar na década de 1970. Fiz até jornalismo, assim, ad hoc. E hoje eu tenho vinte e poucas obras sozinho ou acompanhado, publicadas, várias delas premiadas. Esse último livro [Ao entardecer: poesia breve] eu recebi R$ 15 mil através da Lei de Incentivo, a Lei Aldir Blanc, para publicação de 500 exemplares. É um livro premiado pelo edital da Secretaria de Estado de Cultura do Maranhão, eram cento e poucas obras para serem contempladas, eu concorri com mil e poucas obras. Então, paralelamente, a vida me fez percorrer todo o desenvolvimento da gráfica em Imperatriz, desde o tipozinho, colocando na caixinha, o tipo para montar o texto, até a editoração eletrônica que estamos vivendo hoje, passando pelo Pagemaker, um programa com software ocupando 18 disquetes. E hoje não estou mais editando, falta tempo e falta tecnologia. Eu não fui aprender o InDesign ainda. Mas assim, tudo o que eu sou, que é pouca coisa e tudo que eu tenho, que é muito menos ainda, eu devo à literatura.
Z.S.- Lembre da época de seminarista. Como foi essa experiência?
R.S. - Eu, ainda muito jovem, a minha família era muito religiosa e eu comecei a frequentar assiduamente a Igreja Católica, morando aqui na Nova Imperatriz. No início da década de 1970, havia um grupo de jovens aqui, no Colégio Santa Teresa, cujo nome era Grêmio Juvenil Católico. Eu comecei a frequentar por lá. Eu era o cara mais jovem de lá, até que me admitiram. E lá tinha cinema, tinha teatro e eu fui me envolvendo e tal. Aos sábados era a Missa da Juventude, missa de 7 horas da noite na Igreja de Santa Teresa D’ávila e as músicas cantadas todas as semanas eram compostas por nós, no grupo e tinha muitos artistas. Quando pensei que não, eu estava com o pé dentro do seminário. E comecei a pensar, desejar ser padre. Eu achava que eu podia servir a sociedade nesta função, missão, era menino, criança, muito criança ainda.
O seminário foi muito importante para mim. Primeiro, que me garantiu livros. O tempo era todo cronometrado. E o que sobrava mesmo para o divertimento eu usava para a leitura.
O reitor era um italiano, Frei Ângelo Faloni, me olhava assim e dizia: “Riba, melhor ser um jumento são do que um doutor doido. Você vai ficar doido”. Porque eu estava sempre com um livro na mão. E lá no seminário eu comecei a escrever para o jornal A voz do seminário. O jornal, mimeografado, era mensal e ajudei a escrever junto com outro camarada que era aqui de Imperatriz, o Jader, que depois se tornou padre. Lá no seminário eu tinha tudo, tinha escola de qualidade, professores muito bons, biblioteca do seminário que era excelente, havia duas. Uma, que a gente acessa, outra que era do reitor, que era basicamente composta pelas obras censuradas, seminarista não podia ter acesso. Daí foi que eu li obras como as de Camilo Castelo Branco e tantos outros, Gregório de Matos e tal. Porque eu me ofereci para ser o zelador do apartamento do reitor. Daí eu ia lá, roubava um livro e quando eu devolvia aquele, tirava outro. Um dia ele me chamou: “Riba, você não precisa fazer isso” (risos). “Pode pegar tranquilo, sem subterfúgios”. Acabei saindo do seminário quando eu estava com a vida toda traçadinha. O bispo resolveu que eu seria o próximo reitor do seminário, mas eu me apaixonei por uma moça e pedi para ir embora. Ela era linda, viu? [risos]
ZS. - Comente sobre o estilo dos seus versos.
R.S.- Eu escrevia poema metrificado. O meu grande martírio na vida foi tentar compreender a chamada poesia moderna. Enquanto eu estava na poesia metrificada, rimada, tudinho, estava tudo bem. Chegava na poesia moderna era um tormento. Até que um dia me veio uma espécie de insight, estalo, e eu nunca mais abandonei o poema moderno, o verso branco.
Não quero mais contar rimas. Eu só quero trabalhar o ritmo e dizer o que eu quero. Cada vez mais o meu poema fica curto, era longo e foi ficando curto, sintético, ao ponto de dizer assim: “Minha lágrima é fratura da minha alma, exposta aos olhos do mundo”.
Então a minha poesia é isso, essas coisas, refiz essa coisa. No livro Ao entardecer eu digo: “Livros e filhos são concebidos na intimidade do corpo, da alma e entregues aos olhos do mundo”. Mas quando eu era mais jovem e isso ocorre com todo escritor, eu sentava e ficava buscando motivos para escrever. Depois o ato de escrever deixa de depender puramente da inspiração e passa a ser um ato de trabalho, portanto, transpiração.
Não há muita inspiração, o que eu quero fazer eu faço. Às vezes tem os motivos, claro. Limpando a minha canoa, no Porto Curtume, sol lindo, a água do rio Tocantins toda cor de ouro, um canoeiro vem descendo o rio e eu esperei que ele entrasse no reflexo do sol, fiz uma fotografia. Eu pensei: Cara, vou escrever um livro cujo título vai ser Ao entardecer. Está aí o livro.
Eu tenho mais de 10 livros de poesia. Quintessência foi premiado pela Academia Imperatrizense de Letras. Também ganhei o prêmio com Encanto poético, a capa do livro tem um violino. Mas, então, eu escrevi crônicas, contos e sou o mais premiado durante a vida com crônica e conto do que com poema. Mas até o momento eu decidi me dedicar com todas as forças ao poema, porque o poema é o grande laboratório da linguagem.
Z.S. - Comente como você foi escolhido para ocupar a cadeira do escritor Adalberto Franklin (1962-2017) na Academia Imperatrizense de Letras e a sua relação com ele.
R.S. - Na verdade eu fui um dos membros fundadores da academia. Tive um desencontro com alguns membros e renunciei à academia. E isso ficou um trauma na academia. Por que eu sou muito importante? Não, só porque eu sou Ribamar Silva. Por tudo o que eu tentei fazer pela nossa literatura, pela nossa cultura durante toda a minha vida. E com a morte do Adalberto, praticamente a academia me induziu a concorrer. Na época que o Adalberto morreu eu era um dos editores da Editora Ética, trabalhava com o Adalberto um de frente para o outro, editando livros. Quando fui publicar Quintessência, ele estava praticamente cego, ele tinha cinco, dez, microenfartos por dia, e eu fui ajudá-lo a editar o livro. E logo que ele terminou, com o dinheiro que a gente pegou, ele foi para São Luís fazer uma cirurgia cardíaca. Se saiu muito bem na cirurgia e depois ficou sem poder trabalhar um pouco. Com a ausência dele eu conversei com a Giselda, irmã dele e me ofereci para dar uma mão na Ética. Não estava pensando em ganhar dinheiro, não. Trabalhei 14 meses sem querer ganhar nada lá, para ajudar a resolver os problemas da Ética. Nesse meio tempo, o Adalberto falece e parece que então a Academia compreendeu que era praticamente natural que eu voltasse. Então eu fui eleito nessa situação aí.
Z.S.- O senhor pode fazer um balanço do Salão do Livro de Imperatriz (Salimp) desde a sua criação e as suas perspectivas?
R.S. - Vou fazer um flashback. Na verdade, o Salão do Livro de Imperatriz nasceu como a Semana Imperatrizense do Livro, na Praça da Cultura, em 2002. A quinta edição já foi no Centro de Convenções e de lá pra cá sempre foi no mesmo local. Em 2022 nós deveríamos ter feito o 20º Salimp, mas foi o 18ª, por causa dos dois anos de pandemia que nós ficamos sem fazer o evento presencial. Imperatriz é a primeira cidade do Brasil, tirando as capitais, que começou a fazer parte do Circuito Nacional do Livro. Houve um momento que o Salimp se tornou tão grande que tinha cerca de 45 estandes e nosso recorde de público foi 130 mil pessoas, em 2019. Naquele ano a feira movimentou mais de R$ 2 milhões em vendas. Para se ter uma ideia, só um dos estandes vendeu mais de R$ 300 mil. O Salimp custa para a Academia, além do trabalho, que é o ano inteiro, entre R$ 600 mil e 800 mil. Esses recursos são todos captados por via pública ou com empresas privadas. Temos um escritório que cuida da elaboração do projeto, captação dos recursos. Por incrível que pareça, o Salimp de 2022, que foi menor, custou R$ 600 mil, com cerca de 20 estandes, recebeu cerca de 100 mil pessoas e vendeu mais de R$ 1 milhão. Sabe quanto é que a Academia já tirou do Salimp para a sua manutenção, por exemplo? Zero. O dinheiro só dá para fazer o Salimp. Mas hoje é um evento tido pelo pessoal do Circuito do Livro como uma das maiores feiras literárias do Norte e Nordeste do Brasil. Também é patrimônio reconhecido como patrimônio imaterial do Maranhão pela Assembleia Legislativa. E nós estamos falando apenas de livros, quando, na verdade, o Salimp é um caldeirão que agrega várias manifestações culturais da cidade, é muito mais do que uma feira do livro. Agora, tem um problema o Salimp. A gente vende o livro de todo mundo, mas os nossos...[risos]. Sério.
Z.S. – Como o senhor entende a identidade cultural de Imperatriz?
R.S. Imperatriz é uma cidade de migrantes, de gente de todo o Brasil e de grande parte do mundo. Eu vivi em Imperatriz em um momento em que a cidade era famosíssima pela pistolagem.
Eu acredito que os movimentos sociais, culturais de Imperatriz, surgiram em função da conquista de uma mudança desse paradigma, de cidade violenta. Deveria ser uma cidade com marca na cultura e na educação. Hoje somos uma cidade média, com a violência característica de toda cidade com nosso porte.
Mas contando ou não com política pública, a população sempre fez Imperatriz positivamente diferente. E tudo o que Imperatriz faz parece que ela é meio megalomaníaca, quer fazer maior. Por exemplo, nossa Academia de Letras é reconhecida como uma das mais ativas do Brasil, mais do que a Academia Maranhense de Letras. Eu acho que nós não temos exatamente uma cultura verdadeiramente nossa, nós somos fruto desse contexto, desse caldo de cultura e de todas as gentes do Brasil que vieram parar aqui e está tentando cimentar esse caldo, consolidar isso. Acho que nós temos setores, segmentos culturais muito desenvolvidos e outros nem tanto, mas isso vai se consolidando com o nosso fazer diário. E todos nós, não é de escritor, não é de músico, não é nada de...todos nós, o nosso fazer, todo, todo. E isso é que é cultura e é isso que nós vamos consolidar como uma cultura nossa, de Imperatriz.
Z. S. - E a questão da dificuldade de se manter um mercado literário na cidade?
R.S.- Alguém disse: “Imperatriz tem mais escritor do que leitor”. Eu, quando tinha menos vergonha e mais energia, eu vendia 500, 600, eu tive um livro de contos que vendeu cinco mil exemplares. Mas este envolveu uma empresa grande que queria um livro de literatura infantojuvenil na região. Mas pessoalmente saía na rua e vendia 10 livros, 20, tanto que eu levasse de exemplares por dia, eu vendia. Mas é preciso bater de porta em porta, de ombro em ombro e eu não tenho mais coragem para isso. Então o livro fica meio adormecido. Não faço mais lançamento de livro formal porque você investe muito dinheiro e a venda do livro quase nunca dá para pagar o investimento que você fez.
O ideal é que os escritores de Imperatriz contassem com as instituições de ensino. Mas os livros todos são feitos em editoras independentes, que não estão atreladas ao sistema de distribuição nacional de livro. Por causa disso nós somos escritores municipais, vendendo uma centena de exemplares de cada obra que publicamos.
Se você se envolve com o distribuidor nacional, já perde o controle da sua obra, não sabe quantos livros venderam, quanto vai receber. Uma das alegrias que eu tive na vida foi receber os direitos autorais de duas antologias que eu participei do Rio de janeiro. Mas eu acho que nós, autores, não devemos fazer por nós, estamos fazendo pela cidade. Precisamos colocar as nossas obras no circuito nacional, senão nós não vamos passar daqui. Eu costumo chamar de cadernos os quase 20 livros que eu tenho prazer de ter publicado. Alguns até eu me envergonho, mas não tem nada não.
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