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Sensibilidade para vivenciar e compartilhar

Eró Cunha fala sobre a palhaça Laranjinha e suas atividades na educação


Cairo Yuri

Tayná Duarte


Eró Cunha, nome artístico, é educadora há 20 anos. Como não gosta de lembrar das datas e nem da idade, ela brinca: "Falo que tenho mais de 30 e menos que 60”. Eronilde dos Santos Cunha é formada em Letras, Literatura, História e Teatro, trabalha como professora da rede estadual e coordena a Ceiri (Coordenação de Educação da Igualdade Racial de Imperatriz). Além de atuar na educação de crianças e jovens e formação de professores, é contadora de histórias, atriz e criou a personagem da palhaça Laranjinha, há 15 anos, motivo de orgulho, por ser a primeira palhaça negra de Imperatriz. O nome vem do fato dela costumar se caracterizar com roupas das cores laranja ou amarela.


Antes da estabilidade com o nome, Laranjinha era “homem” e Eró se apresentava com trajes masculinos. Com o tempo, resolveu afirmar sua identidade de gênero como mulher negra, já que usava maquiagens pesadas que cobriam a cor de sua pele.


Na 18ª edição do Salão do Livro de Imperatriz (Salimp), Eró Cunha esteve muito presente, animando a criançada das escolas com a palhaça Laranjinha e, ao mesmo tempo, ajudando a coordenar a XII Mostra de Desenhos Afros com exposição de 250 desenhos com esta temática produzidos por estudantes das escolas municipais de Imperatriz e estaduais do Maranhão. Neste bate-papo com o Sibita, Eró Cunha conta sobre as origens do personagem, os impactos da pandemia da Covid-19 e fala a respeito das suas outras atividades culturais e educacionais.


"Eu fui a primeira palhaça negra de Imperatriz, algo que me orgulho". (foto: Samara Lima)


Zine Sibita: Quando começou o amor pela arte?

Eró Cunha: Começou cedo, porque quando criança ouvia histórias que meu avô, minha avó, meus primos e tios contavam. Eu morava no interior do Maranhão, não era nem cidade, era dentro dos matos, não tinha energia elétrica e nem nada. No finalzinho do dia, 18 horas, começando a escurecer, a gente sentava na porta da rua, no terreiro, como era chamado. Acendia a lamparina e os mais velhos iam contando histórias de Trancoso [personagem popular marcado pela astúcia] e literatura de Cordel, que chamávamos de romance. Nesse período comecei o encantamento pela literatura, mas a literatura de forma oral.


Z.S.: Já que você é uma contadora de histórias, teve alguma que lhe transformou?

E.C: Várias histórias marcaram minha vida, mas tem duas que são especiais. Uma se chama “Olhos d'água", de Conceição Evaristo. Eu ouvia essa história sendo contada pela própria escritora, e marcou meu olhar, porque é uma literatura feita por uma mulher negra. O outro, é um texto escrito numa linguagem para crianças e adolescentes, “As tranças de Bintou” [de Sylviane Anna Diouf]. Fala do empoderamento da menina negra, da beleza negra, a partir do olhar para o seu corpo, para sua pele e, principalmente, para o seu cabelo.


Z.S.: Como surgiu a palhaça Laranjinha?

E.C.: Surgiu dentro do grupo teatral, o Oásis. A [atriz e animadora de festas] Jô [Santos], uma amiga queridíssima, fazia parte desse grupo e tinha um personagem chamado Palhaço Peteleco. Eu não participava, mas depois o espetáculo infantil terminou e o personagem dela continuou. Começou em um grupo de amigos e com a procura, aumentou. Ainda em Imperatriz não existiam palhaças, só palhaços. Tínhamos trabalho de ser mulher com roupas masculinas e falsetes masculinos. Depois desse espetáculo, a Jô percebeu que precisava de pessoas para ajudar. Chamou várias e nenhuma dava certo, até que me convidou. Eu, ainda tímida e receosa, falei: “Vamos tentar, e se der certo eu fico”. Desde esse período estou fazendo recreação até hoje. Algo que me orgulho da minha personagem. A Jô foi a primeira palhaça mulher de festa, de atividade recreativa na cidade, e eu, a primeira palhaça negra de Imperatriz.


Z.S.: O que a Eró gosta de fazer quando a Laranjinha não está?

E.C.: Eu adoro sorrir, eu sorrio de tudo, adoro ser feliz, apesar das dificuldades. Amo assistir filmes, gosto de ouvir música na minha casa ou em grupo de amigos. De me encontrar com pessoas que me façam sorrir, gosto de ler e gostaria de ler bem mais. Amo de Eró, também, contar histórias, e, principalmente, ouvir histórias, algo maravilhoso, é o que me transporta. Observo a capacidade do bom contador ou contadora de histórias, seja profissional do teatro, da arte, um professor, um palestrante, uma educadora, uma senhora vizinha ou um parente que vai contar histórias das suas vivências ou do nosso país.



Z.S.: O que você sentiu mais falta da cultura imperatrizense durante o auge da pandemia da Covid-19?

E.C.: Dos encontros presenciais para discutir a arte, poesia, música, e dos shows no Teatro Ferreira Gullar. Das feiras de cultura e arte que aconteciam na Praça da Cultura e Beira-Rio. Das apresentações de música e dança nos espaços da cidade. Algo que me deixou saudosa foi o Salão do Livro de Imperatriz, o Salimp, idealizado e realizado pela Academia de Imperatrizense de Letras. São espaços culturais que fizeram falta na minha construção de educadora e de cidadã imperatrizense. Das atividades do Negro Cosme, no qual sou militante. Das ações da Ceiri. Coordeno e trabalho nesta entidade com atividades para professores e estudantes. Dentre isso, fazíamos concurso de desenho, festivais de música e de teatro. Era no presencial e tudo isso me fez falta.


Eró diz que ama ouvir e contar histórias, reconhecendo o valor de um bom contador. (foto: Samara Lima)


Z.S.: E como a Eró e a palhaça Laranjinha estão se sentindo agora, com a volta das atividades presenciais, as aulas, atividades de recreação e o 18ª Salimp?

Com o retorno das atividades presenciais depois dessa tragédia toda que foi essa pandemia, levando em conta o meu lado profissional como educadora, coordenadora da Ceiri, eu estou me sentindo muito feliz. É um retorno da gente com os estudantes, professores e professoras, com esse contato mais próximo, com essa possibilidade de poder olhar olho no olho, de segurar a mão do outro e da outra, ali, que está no nosso lado. Essa relação mesmo de proximidade com as pessoas e o reencontro com esse outro ser humano que me complementa e que é tão necessário para a minha existência. Esse retorno para as escolas me deixa muito feliz, o Salimp, que retornou, o Concurso de Desenhos Afro, que a gente nunca teve tanto material produzido, com quase 250 trabalhos inscritos... Então, para mim, é uma alegria assim gigantesca. Agora, como Laranjinhaaa...aí não é só alegria, é uma explosão de felicidade, de abraçar as crianças e os meus clientes que me dão tanta energia, tanta vivacidade, tanta vibração, nesta personagem que me faz tão feliz e termina também sendo motivo, assim, de expressividade de arte, de vida que pulsa, de contentamento. A Laranjinha me complementa, na verdade. Então estar aqui nesse movimento, contando histórias, brincando, cantando, me divertindo, sendo feliz, gente, isso é algo assim que nem tem como eu expressar a partir das palavras. Mas é assim: muita esperança e desejo que nossas vidas caminhem para um lugar mais feliz, de mais harmonia, de mais brilho no olho, ação afirmativa, de mais produção e de mais humanização.



Eró Cunha comemora o retorno presencial do Concurso de Desenhos Afro no 18º Salimp (foto: Débora Maia).

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