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Sereia do Nordeste em ascensão

Enme Paixão transforma sua história e a dos seus antepassados em arte musical


Deglan Alves Lima


Enme Paixão está com figurino da capa do disco com fitas, cabaça, folhas, instrumento de percussãp. O rosto está pintado de amarelo e ela olha fixa para a câmera.

Foto da capa do EP "Pandú" traz simbologias da cultura maranhense. (foto: Amanda Aramaki)


Em um cenário no qual várias drag queens estão em destaque, como Pabllo Vittar, Gloria Groove e Lia Clarck, Enme Paixão representa o exemplo de um caminho natural trilhado até se tornar uma cantora maranhense reconhecida no Brasil. São inúmeras qualidades para descrevê-la, mas os fãs a chamam de sereia do Nordeste. Aquela que desde sempre sonhava em ser relevante para o mundo por meio de sua expressão.


Seu primeiro passo foi com o single “Sarrar”, em 2018, em colaboração com a também DJ e drag queen, Butantan. A artista, de 28 anos, iniciou sua trajetória na música em 2014, como produtora e DJ e, desde então, vem alicerçando uma cena no mercado musical. Suas músicas abordam o protagonismo negro, com ênfase na cultura local. “Tenho tentado criar algo único, que tenha a cara e som do meu estado. Algo que podemos chamar de upaon music, marabeat, maramusic. Tenho olhado cada vez mais para as produções de dentro”, define Enme.


O webclipe de "Sarrar" conta com mais de 60 mil visualizações no Youtube, sendo o seu trabalho mais reconhecido nas plataformas de streaming. Mas nem sempre foi assim. Apesar do sucesso atual, seguem os percalços de ser artista em uma sociedade que não os valoriza. “Já tive que passar fome para manter meu trabalho vivo”, conta Enme, sobre os desafios do início da sua carreira. Para produzir o videoclipe oficial de “Sarrar”, contou com a ajuda de fãs e amigos com uma vaquinha on-line.


Enme, além drag queen, é uma rapper negra, cantora e compositora. Persona na qual pode se conectar com a cultura africana e da região de maneira transcendental, aflorando o seu ser artístico, como ela mesma descreve. “Eu não escrevo nada, eu transcrevo. Existe um DNA no meu sangue que carrega sentimentos e histórias dos antepassados".


Ela acrescenta que a música é só um resumo de todas essas questões, a mensagem que precisa ser passada. "Muito mais do que letras fortes, são vozes que precisam ser ouvidas”, destaca. Um exemplo disto, é a canção “Parem de nos matar”. Um trecho da letra diz: “A nação que mais mata LGBT, mulher, preto, viado e dizem não ver/ Não vou ficar calado,/ de braço cruzado, /se guerra eles querem, /isso eles vão ter”.


Enme abre o seu EP Pandú, de 2019, com esta faixa, que é um grito e descreve de forma nítida as vivências de ser preta, em um Brasil no qual os membros deste grupo representam 77% das vítimas de homicídio, segundo o Atlas da Violência de 2021.



Suas maiores inspirações de gênero musical são o hip hop e o pop, mas, como cantora, Beyoncé é citada em suas músicas e em performance nos shows. “A artista mais lendária de todos os tempos, mais perfeccionista, mais visionária. Viver no mundo quando a maior artista da música é uma mulher preta, é sensacional. Eu quero fazer exatamente isso no meu tempo”, afirma.


Durante a quarentena devido à pandemia da Covid-19 no Brasil, Enme também teve que se reinventar. “Eu nunca paro de trabalhar. Doente, saudável, dormindo, acordada, triste ou feliz, eu criando. Vivi a pandemia, me isolei, me agoniei e voltei com esse clipe todo. Teve muita gente envolvida e várias referências lançadas, tudo por WhatsApp”, comenta, sobre “Obsessão”, produzido e idealizado em casa, com o DJ Palazi e lançado em 2020.


A ascensão da artista maranhense a contemplou, em 2019, com a vitória no maior Festival de Hip Hop da América Latina, o Sons da Rua, com “Juçara”, sendo a única nordestina a se apresentar na Arena Corinthians, em São Paulo. A música premiada aborda suas vivências pessoais, ao lembrar da sua avó, que pedia para apanhar o fruto típico e catar os caroços. “Eu nunca entendi o que aconteceu, mas sou grata só em ter chegado lá”.


Hoje esse prêmio é apenas mais um da sua coleção: a cantora venceu duas categorias do Festival Guarnicê de Cinema 2020, de melhor videoclipe por júri técnico e popular com “Batidão”, dirigido por Jessica Lauane.



Três artistas de costas no palco e multidão está de em frente assistindo. Céu azul ao fundo.

Emme venceu o festival Sons de Rua, sendo a única nordestina a se apresentar. (foto: divulgação)


O sucesso da artista é intenso, representando o maranhense com a música “Killa”, que homenageia as raízes, com o som do reggae, estilo musical forte em São Luís. Com batidas de cacuriá e instrumentos de tambor, a canção venceu, nas categorias de performance e direção, um dos maiores festivais de cinema do estado, o Maranhão na Tela. O videoclipe mostra o gingado do povo nordestino e o paredão de som, com referências fortes de R&B.


Pandú foi o seu primeiro EP autoral. Lançado em maio de 2019, conta com seis músicas com produção de Brunoso, Sandoval Filho, Fabregas Music e Joe Joeezy. O registro, feito no selo da gravadora Sotaque na Angola, alcançou mais de 200 mil plays no Spotify.


A capa deste álbum é rica em simbologias e objetos que remetem à cultura maranhense. Isso fez com o fruto de seu trabalho ganhasse novos espaços jamais imaginados, como os prêmios e chegando a ser publicada na Vogue Itália. Em 2022 ela lançou Atabake, emplacando sucessos como “Dama da quebrada”, que já tem mais de 40 mil visualizações no You Tube.


“Apesar de trabalhar sempre pra chegar nesses espaços, eu sinto que meu corpo não pertence a eles ainda. E essa sensação sempre me deixa surpresa quando acontece. É como se o ‘você não deveria estar aqui’ se tornasse o ‘seja bem-vinda’ de uma hora pra outra”, avalia Enme. Ela se coloca em um campo de representatividade e de voz para negros, gays e nordestinos. Uma artista de bandeira forte na luta antirracista e contra LGBTfobia.


Com sucesso e ascensão vêm a responsabilidade de pessoa pública. “É difícil ser bandeira e também carregar bandeiras. Acho que o maior desafio hoje é fazer a galera entender que sou humana e nem sempre vou ser forte, nem sempre vou querer travar batalhas”, declara. Assim, Enme Paixão é uma sereia em ascensão, representa diversas causas e mostra não apenas sua arte e vozes de luta, como também fragilidades.


Conheça mais da artista clicando nos links abaixo:





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