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Tatajuba, espaço de liberdade

Centro cultural apoia artistas locais e forma novos talentos


Elizangela Almeida

Emily Silva

Eduarda Veloso


Numa tarde de outubro de tempo nublado em Imperatriz quem entra no Centro Cultural Tatajuba é recepcionado pelas obras do artista plástico Antônio Alexandre. As pinturas trazem uma mistura inusitada de ousadia, desobediência e do aspecto “nonsense” ou “sem sentido” que o artista não abre mão. Antônio foge do previsível, misturando materiais, formas geométricas, desenhos de peixinhos e esboços de pinturas rupestres na cor branca, desenhadas em pedações de madeira cortados no formato de círculos.


Ousadia das obras de Antônio Alexandre nas paredes do Tatajuba. (foto: Elizangela Almeida)

No lado direito da entrada, há desenhos de mulheres com cabelos crespos e lisos, coloridos, usando argolas, com olhos fechados e ar de melancolia. Lágrimas se desfazem em cores vibrantes como laranja, rosa, roxa, amarelo, azul e verde. Plantas bem cuidadas dão boas-vindas para quem entra, harmonizando com o ambiente repleto de arte.

Criado em 2019, o nome do centro vem da árvore tatajuba, que é forte, produz frutos adocicados e é nativa do bioma amazônico. “Tata” e “juba” fazem referência aos nomes Renato e Juliano Stecelberg Silva, irmãos da presidente da organização, Solanda Stecelberg Silva, 49 anos. Solanda conta que antigamente o prédio no qual agora está o Tatajuba era uma pousada de sua mãe. “Como a pousada não deu muito lucro para a minha mãezinha, eu e os meus irmãos tivemos a ideia de abrir um local que faça com que a cultura em Imperatriz não seja extinta.”


No interior do prédio, Eder Alves e Miguel Sousa, pintores profissionais do projeto Artes em Cores do Tatajuba estão ouvindo toadas de bumba-meu-boi e ao mesmo tempo concentrados na pintura de uma mulher negra quebrando coco. Sem se preocupar com a sua camisa de cor cinza, calça jeans e boné laranja manchados de tinta, Eder olha para a tela do celular de vez em quando para ver bem a arte que está focado em terminar em quatro dias.


Seu colega de trabalho, Miguel, de camisa vermelha e jeans preto, chega para observar o desenho no celular enquanto segura uma lata. Completamente sujo de tinta, está atento à finalização da pintura. Ferramentas espalhadas pelo chão, diversas tintas de cores diferentes, fitas isolantes, escadas, mesas e cadeiras estão para todo o lado. O barulho das máquinas pode ser ouvido por pessoas que estão esperando o ônibus na parada da praça Brasil, que fica em frente.

Diversidade


Turistas que sobem a escada em direção ao andar de cima do prédio, logo percebem a pintura de uma onça pintada, um dos símbolos do Brasil, feita pelo artista visual Vagner Salazar, em 2020. Virando à direita está a sala de coordenação do projeto e, seguindo direto pelo corredor percebe-se um quadro que representa a bandeira brasileira. No canto da tela, os olhos cheios de lágrimas de um indígena demostram a tristeza do desmatamento florestal. Matas pegando fogo envolvem a parte inferior da pintura. Uma onça pintada rosna entre a fumaça que sai de dentro da mata da floresta Amazônica.


À esquerda fica a sala de dança. A porta é totalmente transparente e o piso é ideal para quem quer praticar as modalidades contemporânea, de rua, balé e o forró. Já são 17h. O barulho do movimentado centro da cidade ainda atravessa todo o ambiente e pode ser ouvido pelas poucas pessoas ali presentes. Em uma das salas, Sol, como Solanda é conhecida, está sentada em uma cadeira, apoiando os braços sob uma mesa redonda que fica no meio do cômodo destinado para a administração do projeto.

O ambiente é todo pintado de branco e com móveis aparentemente novos, assim como tudo o que se tem ali na antiga pousada. Sol conta que o principal objetivo do Tatajuba é o de “promover o mais possível a cultura local em Imperatriz e no Maranhão”. Isso é refletido na grande marca do centro cultural, que conta com a presença de alunos, professores, e de artistas da cidade que ajudam a colorir todo o prédio.


Após uma breve explicação do projeto, Sol se despede e vai para uma reunião que estava marcada para discutir sobre questões relacionadas ao Tatajuba. Descendo as escadas, que ficam no canto do imenso salão e que dão uma visão ampla de todo o ambiente, pode-se observar Juliano, sentado, mexendo no celular e pouco preocupado com o que acontece ao seu redor.

Com um semblante mais fechado, ninguém imagina tamanha gentileza sua ao falar sobre o projeto. Ele explica que sua irmã sempre trabalhou com ações sociais em Belo Horizonte, onde ela reside. Conta, também, sobre a empresa que teve que fechar as portas para se dedicar integralmente ao centro cultural. Além das dificuldades enfrentadas para realizar ações voltadas para a cultura em Imperatriz, sendo que esta foi mais uma motivação para a fundação do Tatajuba.

Transitando pela entrada do prédio, Juliano aprecia as obras expostas nas paredes, com cores vivas e todos os tipos de formatos, além de objetos pendurados que representam as culturas africana e indígena. E em meio à sua apreciação, ele para bem em frente à porta de entrada do prédio, do lado de dentro e de costas para a rua movimentada, cercado de sons de carros, buzinas e pessoas falando. Tudo se mistura às melodias das músicas típicas maranhenses tocadas no interior do Tatajuba.

Solidariedade e comoção


Juliano explica como o centro se mantém, já que as aulas oferecidas para a população, como dança, artes plásticas, literatura e fotografia, são gratuitas. “A gente apresenta os projetos e os patrocinadores escolhem: 'Olha eu quero esse’. Aí a gente faz”. Tudo só é possível, segundo Sol, por conta da existência da Lei Rouanet. “Os patrocínios são por meio da lei federal que incentiva a cultura. A gente coloca os projetos na lei e as empresas patrocinam”, ressaltou a presidente, minutos antes de partir para sua reunião.


Juliano, ou Juba, como é conhecido, se dirige então ao centro do prédio. É lá que os três artistas continuam a dar forma e cores aos esboços nas grandes paredes brancas. Ele começa a falar espontaneamente sobre o projeto Artes em Cores, uma iniciativa do Tatajuba, que visa contemplar artistas do Maranhão e do Pará com um dinheiro e, também, materiais de arte. A ideia é selecionar os melhores esboços, para incentivar ainda mais a artes nos estados. “São 25 do Pará e 25 do Maranhão. É aberto um edital e eles se inscrevem a partir das nossas redes sociais”, relata. A surpresa maior é a revelação que Juba faz: dois dos três artistas ali presentes são contemplados do projeto.

Dois artistas param suas atividades e se sentam de frente para a parede em cadeiras de madeira que ficam espalhadas pelo local, acompanhadas de mesas quadradas e de mesmo material. Eles observam os esboços de um desenho que ainda não se sabe definir o que exatamente irá representar. Miguel Souza, 44 anos, um dos artistas que descansam, participou do projeto e conta a importância do Arte em Cores para a maior visibilidade da população em relação aos artistas das pequenas cidades, embora não tenha ainda o devido reconhecimento. “Ele visou abrilhantar e trazer para a comunidade e mostrar também o leque imenso de artistas que estão perdidos nas comunidades”, destaca Miguel.


Minutos depois, os sons dos sprays voltam a tomar o ambiente pouco movimentado, mesmo sendo em plena quinta-feira, já que as aulas não foram realizadas naquele dia. Mas o barulho não dura por muito tempo. Eder Alves Souza, 40 anos, outro artista contemplado pelo projeto, interrompe o seu trabalho por um momento e se apoia em uma escada que esteve todo o tempo ali e que serve de ajuda na hora de pintar os pontos mais altos da parede. Ao ver o movimento de Eder, Juliano, que estava observando de longe, se aproxima para escutar a conversa.


Eder Alves colorindo o espaço do Centro Cultural. (foto: Emily Silva)


O artista conta sua trajetória na arte e ressalta a importância da ação social em sua vida. A atenção de todos se volta para ele, o local imenso para por um instante. Eder, emocionado e com lágrimas nos olhos, relata:


“Para mim, como artista, foi um divisor de águas. É muito difícil chegar a isso. E se não for através de políticas públicas e de pessoas que se dispõe a fazer isso, a gente é esquecido.”


Juliano, ao ouvir o relato da mudança que uma ação social, que ele ajudou a realizar, fez na vida de Eder, que também é seu amigo, se emociona. “É isso que dá prazer pra gente fazer tudo. Tanto ele quanto todos os outros que participam”. Em meio à comoção de todos que estão ali, artistas e fundadores, Juba ainda completa: “É isso que me alimenta por eu ter largado todos os outros negócios que eu tinha, valeu a pena!”. Para ele, o Tatajuba é fundamental para a comunidade, porque a cultura transforma, abre portas, traz conhecimento e oportunidades, além de ensinar valores morais. Pessoalmente, as amizades construídas são a questão mais importante.

Arte no projeto

Começa outro dia. Algumas meninas chegam ao prédio enquanto músicas de diversos gêneros podem ser ouvidas. É uma manhã agitada, as aulas já estão prestes a começar, mas antes disso, funcionários e coordenadores estão no andar de baixo em uma confraternização para comemorar o aniversário de uma das colaboradoras do projeto.

Professora ensina dança de rua para alunas do Centro Cultural À direita, visitantes. (foto: Emily Silva)


No segundo andar, na sala de dança, estão três garotas, duas delas sentadas, conversando, e outra distante, mexendo no celular. Laysla Gomes, de 15 anos, está de roupa preta com tecido ideal para a aula. Ela comenta que além de ter se inscrito em dança de rua, também prática balé no centro cultural: “O centro é bastante importante para incentivar a cultura e não deixar a arte morrer”, afirma. A que está sozinha se chama Geovana Rodrigues, de 15 anos. Hoje é o seu primeiro dia de aula. “Acho que vai ser bem legal, divertido”, comenta sobre a sua expectativa.

Às 8h46, a aula de dança começa. A professora, com sua roupa confortável, chama a atenção com seu cabelo crespo na cor azul e suas tatuagens, e recepciona a nova aluna com um sorriso no rosto. Ela, em seguida, coloca uma música e auxilia as alunas a fazerem exercícios de alongamento. Em meio à risos e conversas, as garotas executam diversos tipos de passos de danças, guiadas pelos ensinamentos da sua orientadora. Durante esse tempo de aprendizado, começa uma movimentação na entrada da sala de aula.

Quatro pessoas observam as garotas treinando os passos de dança. Eduarda Carvalho, de 6 anos, conhecida por Dudinha, que está no colo de sua mãe, comenta o quanto gosta de dançar. “Eu danço em casa, eu faço ginástica”. Ela está visitando o projeto pela primeira vez, com sua mãe e seus avós. A família não mora em Imperatriz, mas estão de férias, conhecendo a cidade. Renato Ferreira, de 69 anos, diz que ficou feliz ao descobrir que a instituição é mantida pela Lei Rouanet. E demonstra seu apreço pela arte: “A cultura, tem que brigar por ela sempre, sempre, sempre, sempre”.

Enquanto isso, na sala de artes plásticas, outra atividade começa. Adultos estão em volta de uma mesa, uns pintando, outros recortando. É possível ver diversos pincéis, tesouras, materiais feitos de papelão, garrafas de vidro. No armário, tintas de todas as cores, pedras coloridas, garrafas decoradas. Antônio Alexandre, 53 anos, o mesmo autor das obras que estão na entrada do Tatajuba, é o professor responsável por auxiliar nas atividades naquela sala. Ele conversa com todos os alunos, dando instruções do que devem fazer. “Então, Eliane. Eu quero que vocês tragam pra mim uma folha com um desenho, uma técnica que vocês sabem”.


Alexandre explica que os materiais que são reciclados e transformados em arte, são objetos encontrados na rua, ou trazidos pelos alunos de suas casas. “Eu não ensinando uma produção de imagem que seja bonita pro observador, não tenho essa condição. Tá sendo pra mim, não pra você”, comenta o artista. Logo após, diz que a arte tem de ser livre, a sociedade já é muito exigente com relação a padrões de beleza. "Eu trabalho com poesia marginal, vocês sabem disso, e nossa sociedade é muito exigente. Usam progressiva pra alisar o cabelo, usam calça pra se sentir na moda. Eu dando pros meus alunos a liberdade que eu não tive”.


O projeto Tatajuba oferece diversas atividades todos os dias, em todos os turnos. Também disponibilizam vagas para que pessoas de fora possam vir a participar e se tornarem membros da instituição. É um lugar de grande receptividade, e ainda estão com vagas abertas para algumas atividades.

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