“Tem arte em tudo, gente"
Whallassy de Oliveira Barros é um artista da comédia e do engajamento
Ana Luiza Palmeira
Ana Maria Nascimento
Ana Gabriela Fonseca
Isabella Franco
Virna Águida
“Nunca passou pela minha cabeça que eu fosse alcançar isso com algo que eu não planejei, que me deram assim. O universo jogou de bandeja aqui no meu colo e passei por experiências muito boas”. O balanço do publicitário, radialista e ator, Whallassy de Oliveira Barros, envolve sua atuação no grupo de teatro Okazajo, seu processo de criação de Seketh Bárbara e as proporções nacionais que a personagem conquistou fora dos palcos. Além da atuação contundente nas redes sociais e a tentativa de uma carreira na política, outras vertentes que experimentou.
Integrante do Okazajo criou um personagem de sucesso nacional: a socialite Seketh. (foto: reprodução Instagram)
Seketh nasceu despretensiosamente de uma roda de conversa da Companhia de Teatro Okazajo, da qual Whallassy é integrante desde o início dos anos 2000, quando realizaram uma reunião para pensarem em futuras apresentações. Um dos atores propôs que o próximo espetáculo mostrasse os bastidores da televisão feita ao vivo no palco do teatro, algo que mudou a dinâmica do grupo com os espectadores. “Foi o primeiro espetáculo do Okazajo que tinha interação com o público. Em que a gente conversava com eles de verdade”, afirma o publicitário, referindo-se à peça TV Okazajo.
Na distribuição dos personagens, o artista escolheu fazer o papel de uma mulher heterossexual, rica, poderosa e alienada.
“A Seketh, dentro da cabeça dela, é extremamente famosa e conhecida por todo mundo. Tanto que ela tinha o hábito de quando as pessoas perguntavam: ‘Quem é você?’, ela dizia: 'Você não me conhece?’. Então, ela era realmente o suco da arrogância”, diz Whallassy.
A drag ganhou ainda mais destaque quando começou a cantar músicas com a pegada tecnobrega para os videoclipes que eram feitos para serem reproduzidos nas apresentações do Okazajo. “Quando ela fez o clipe Bicha pague meu dinheiro, a gente fez para divulgar o espetáculo”, comenta. Mas um dia, um amigo de Whallassy sugeriu que o vídeo fosse postado no Youtube.
Após quatro dias de publicação, o clipe já contava com mais de 200 mil visualizações. A música chegou a ser cantada por artistas como Anitta, Tirulipa, Ludmilla e outros. O sucesso foi tão surpreendente para Whallassy, que ele não estava preparado para os convites especiais que recebeu. “Eu fiquei desesperado e aí passaram duas semanas, boates LGBT do Brasil todo começaram a me ligar pra marcar show”, declara, lembrando também de um momento marcante em sua vida quando participou na Record TV, do quadro “Na Lata”, comandado pela Xuxa. “No momento que eu peguei na mão da Xuxa, ela falou assim: ‘Você é muito talentoso. Parabéns pelo seu trabalho’. Isso fez valer a pena tudo, foi o ápice”.
Com o boom da internet, a personagem Seketh Bárbara passou do palco para as telas, mas isso não foi algo que aconteceu rapidamente. O ator esclarece que a drag “foi lapidada para internet. Aquela personagem fofinha que tem na internet é totalmente diferente de como começou”. Whallassy e o Okazajo tiveram que fazer algumas adaptações para a drag no formato digital, porque as expressões utilizadas em um palco de teatro não poderiam ser ditas na mídia, tanto por questões do alcance informacional do espaço virtual quanto por razões jurídicas. “Se eu usasse as mesmas linguagens no on-line, eu já teria uns 300 mil processos e talvez estaria preso”, diz, brincando.
Para Whallassy, o processo de viralização de sua personagem é sinônimo de naturalidade, pois não foi planejado nem idealizado, apenas aconteceu. “Até porque como cantor eu sou um ótimo radialista ou qualquer outra coisa. Faço tudo menos cantar. A gente tem aquele autotune básico que dá aquele tratamento”, revela Whallassy. Ele ainda expõe que a drag queen é muito mais do que um personagem para si. “Mesmo sendo gay eu era extremamente homofóbico. Eu tinha pavor de gay, detestava. Via um gay e passava pelo outro lado da rua, porque eu não queria passar perto dele”. Por isso, quando começou a fazer shows pelo Brasil, ele entrou em contato com “várias tribos, gêneros, sexualidades diferentes”, e percebeu a importância da personagem, repensando sobre sua mentalidade. “A Seketh fez parte também do meu processo de desconstrução como ser humano”, desabafa.
A protagonista ganhou mais reconhecimento com o público LGBTQUIAP+, segundo comenta, pois eles precisavam de “uma representatividade, porque são carentes disso”. O publicitário acrescenta que há diversos artistas héteros que representam outros segmentos sociais, mas não há tanta visibilidade para o grupo específico. “E se eu falar que acho a qualidade do meu trabalho ruim? Eu acho. Mas eu gosto. É o que eu consigo fazer e é o que agrada meu público. Mas, ainda assim, sendo um trabalho mediano, ele ainda é abraçado absurdamente”.
Personagem Seketh foi lapidada para atender as necessidades das redes sociais. (fotos reprodução do site www.seketh.com.br)
Redes ativas
Somando o seu perfil pessoal (@whallassy) e o da personagem Seketh Bárbara (@sekethbarbara), o ator conta com quase 50 mil seguidores no Instagram. Em suas plataformas digitais, Whallassy fala de educação, política, inclusão e representatividade dos artistas e da comunidade LGBTQIA+. "Por conta da abrangência. A gente teve por muito tempo uma exclusividade de comunicação em meios escritos. A TV, rádio… Se a gente for analisar direitinho, são meios de comunicação elitizados, não é todo mundo que tem acesso”, justifica.
Whallassy começou a se engajar mais nas redes justamente porque sentia influências negativas em certos perfis. “Eu comecei a ver os idiotas falando, os homofóbicos falando, os racistas falando e eu falei assim:
'Meu Deus do céu, se esse babaca tá usando a plataforma dele pra distribuir tanto preconceito, por que eu não vou usar também a minha voz pra falar sobre as coisas que me envolvem?”, desabafou.
No início, foi julgado por alguns, quando começou a usar da sua voz para defender seus ideais. “Hoje as pessoas chamam de militância. Para mim, era compartilhar a minha experiência, compartilhar quem eu sou, quem é o Whallassy”, declarou. Também revelou a razão pela qual acredita ter um grande alcance nas redes sociais. “Eu sei que do outro lado vai ter alguém que vai me dar ouvidos e falar: 'Eu também passo por isso, Whallassy!'. É por isso que as pessoas se identificam com o que eu falo”.
Como consequência da exposição, existem os comentários negativos, críticas que não são construtivas e têm como único propósito desmotivar e ofender os donos dos perfis. E eles partem geralmente dos chamados haters. Whallassy relata o desconforto que sente frente essas situações.
"Ah, gente, quem falar que consegue olhar um comentário de um hater e não se abalar, tá mentindo. Eu levo pra alma, levo pro coração, real.”
Mesmo assim, o ator diz que atualmente consegue lidar de uma forma mais madura com os julgamentos, se comparado ao início. “Eu batia de frente. Hoje eu entendi: eu não posso hostilizar uma pessoa que não concorda comigo”. Whallassy acredita que “se for dentro de um campo de ideias”, sempre vai procurar mostrar a sua perspectiva, estimulando o debate. “Como um objeto, um instrumento de defesa. Se a partir do debate eu entendo que aquela pessoa não está aberta para aquilo, eu falo: 'Deixa'”.
Para além do meio digital, o entrevistado expôs que, desde criança lida com preconceitos e críticas. “Eu cresci com uma série de cicatrizes, de feridas que foram abertas, de preconceito que eu sofri dentro do ambiente familiar, do ambiente escolar, dentro do meu ambiente social, dentro do ambiente da igreja, que também é um gatilho muito forte”.
Apresentação do Okazajo no Teatro Arthur Azevedo, em São Luís. (foto: reprodução Instagram)
O artista conta que, no início da sua carreira no Okazajo, a companhia era pouco requisitada e raramente apoiada pelo motivo da cidade ter preconceito com esse tipo de entretenimento. "Fazer arte é caro, não é fácil. Nosso ingresso estava R$ 25 até o último reajuste, e as pessoas achavam um absurdo de caro. E isso é reflexo da falta dessa identidade cultural", afirma.
Campo publicitário
Whallassy, que está cursando publicidade, percebeu na área uma fonte de renda e trabalha com o mercado gráfico. Desde que começou a se profissionalizar, produz as artes de divulgação das peças teatrais da Companhia Okazajo. “Eu ficava em casa com meu computador, fazendo artes pro Okazajo, porque a gente tinha necessidade e não tinha dinheiro pra pagar um designer. E aí eu falava: ‘Não gente, eu acho que dou conta de fazer’”.
Revela ainda, que no início não sabia muito bem o que fazia e precisou se especializar e estudar os programas de edição para conseguir espaço no mercado. Tento trabalhado em agências de publicidade importantes na cidade, Whallassy explica que, muitas vezes, aprendia junto com os colegas de profissão e assim foi criando experiência. Porém, ressalta que o ramo ainda está em desvalorização pela falta de investimento financeiro. “Dentro desse leque de possibilidades houve essa crescente, mas eu acho extremamente defasado o mercado publicitário em Imperatriz”, desabafa.
Mesmo com todas as dificuldades, considera o campo latente, porém recomenda estudo e prática para a valorização profissional. “Com a falta de entendimento da nossa região, como é algo novo, as pessoas não valorizam”, descreve Whallassy, que precisou se tornar um profissional prático para dominar a área. Ele também fez cursos de produção de texto para compreender a linguagem e entregar textos mais elaborados para os comerciais de TV, se tornando mais versátil.
Política engajada
“O que me impulsionou foi ódio, raiva. Tudo o que eu via tava errado”. Whallassy Oliveira explicou desta forma a sua motivação para tentar entrar na carreira política. Ele concorreu ao cargo de vereador da Câmara de Imperatriz pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2020, mas não conseguiu a vaga. O motivo principal para esse decisão, foi sentir que o Okazajo estava sendo desfavorecido, pois nunca conseguia auxílio do poder público municipal ou estadual. “Era como se a gente estivesse gritando em uma sala vazia, porque todo mundo via a gente como doido”.
O ator decidiu então tentar abrir o caminho para o incentivo cultural por meio da sua candidatura.
“Tem arte em tudo, gente. Então, se a gente não entende que a arte faz parte do nosso processo de existência e ela não está inserida dentro da educação, a gente não está fazendo nada”, considera.
A cultura é parte fundamental da formação do ser humano, na opinião de Whallassy. Ele ressalta que, sem ela, é impossível criar pessoas com senso crítico. Sua candidatura se deu, na sua ótica, pela vontade de mudar o futuro. “Não é sobre a gente, é sobre o que vem depois da gente. Não é sobre o que o Okazajo fez, é sobre o legado que vai ficar para que outras pessoas também tenham acesso e consigam fazer”. Por conta disso, além da cultura, o ator abraçou diversas causas sociais em sua campanha.
Porém, por ser sua primeira experiência concorrendo a um cargo público, acreditou que não teria muitos votos. “Uma vez eu sonhei que tinha tirado 380 votos e acordei super feliz”, lembra. Apesar de não ter sido eleito, conta que se orgulha de ter obtido 1072 votos, visto que sentiu que plantou uma semente de mudança e nem mesmo imaginava conseguir essa quantidade. Whallassy ressalta, ainda, que mesmo com as represálias que sofreu durante sua candidatura, não desistiu em nenhum momento.
Em 2022, Whallassy pensou em concorrer ao cargo de deputado federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), depois de ter saído do PT, mas acabou recuando por uma questão partidária. “Eu entendi que dentro da política não é só sobre você, tem todo um sistema ali. Não adianta você sair sozinho com teus impressos, entregando de mão em mão pedindo voto, se você não tem uma estratégia por trás”. O ator alega que no começo foi difícil aceitar a mudança, porém, depois entendeu que era a forma correta de prosseguir. Mas garante não ter desistido da carreira política e pretende se candidatar novamente a vereador nas próximas eleições.
Whallassy trabalha com a arte performática há quase duas décadas e durante a sua carreira já ouviu desde parabenizações a desmotivações, porém não desistiu da profissão. “Eu entendi que não era só sobre o meu trabalho, não era só sobre a Seketh, era uma lição pra todo mundo que quisesse ter algo para acreditar. Parece clichê, mas quando você acredita, arregaça as mangas e vai pra cima, você consegue”, declara o ator.
Comments