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Um pé de bailarina

Bruna Viveiros e o seu palco de superações e vitórias


Marcus Marinho


Via a apresentação embasbacada, lá estava sua amiga Babi, encantando. Se apaixonou por aqueles movimentos, queria fazer igual. Foi naquele dia que Bruna, já circundando seus 14 anos, teve o toque divino que a fez mergulhar em um novo sonho: o balé. Não deu outra: passou dias comentando com sua mãe como queria estar naquele espetáculo, o quanto queria ser bailarina e cursar dança, o brilho nos olhos era evidente.


Seus pais, Zélia Aragão e Francisco Torres, muito humildes e trabalhadores, pensavam nos gastos e na falta de tempo para levar a filha à escolinha, era completamente inviável para eles naquele momento. Mas Bruna não queria desistir tão fácil. Procurou por toda cidade descontos e promoções, esperou o momento certo, até que finalmente apareceu. Ela e sua amiga conseguiram uma "casadinha" na matrícula e, de quebra, carona com a parceira. Finalmente, poderia começar seu projeto, seus pais estavam convencidos com o empenho da garota. Planejaram o financeiro e lá estava, matriculada, a mais nova bailarina de Imperatriz.


Tornar-se bailarina foi um desejo almejado por Bruna desde a adolescência. (foto: Bruna Viveiros)


Com consciência de como era preciosa aquela oportunidade, a jovem talentosa e esforçada orgulhava, fazia tudo com dedicação. Porém, a ideia assustava seus pais. “Bruna, isso não dá dinheiro”, diziam. A maior preocupação era a de a filha não ascender e acabar frustrada financeiramente. "Viver de arte não é fácil", também ponderavam os amigos.


A situação da dança no Maranhão era e ainda continua sendo muito limitada. Para uma profissionalização na área era preciso migrar para grandes polos, como São Paulo ou Rio de Janeiro. “Esse é realmente o seu futuro? Você quer ser bailarina?", perguntavam os familiares. Porém, com o passar do tempo, todos perceberam cada vez mais que não era só um hobby. Ela ia evoluindo o seu aprendizado na escolinha, era esforçada e logo ganhou a admiração de seus professores.


Balé aos trancos e barrancos


Balé nunca foi uma área fácil. Após o término do curso em Imperatriz, o índice de evasão da área chega a ser superior a 90%, não há um horizonte muito amplo no cenário local. Bruna dançou seu primeiro espetáculo, que a fez ganhar destaque dentro da escola, O presente precioso, em 2007. Conseguiu também ser auxiliar de turma após apenas um ano na escola Flávia Homobono. Ela conta que a experiência serviu para fortalecer seus laços com a dança, era um desafio encarar o descrédito: “Ah, mas é só uma adolescente dando aula para outras”.


Mas os problemas financeiros só se agravaram. Como o posto não rendia uma remuneração significativa, Bruna entrou num conflito entre o balé e seu futuro profissional: "Eu pagava pra trabalhar", confessa. A passagem e os custos adicionais já pesavam, estava sendo muito difícil permanecer naquela rotina. A decisão de se manter como auxiliar, entretanto, foi uma prova de amor. Seus pais se preocupavam ainda mais, tensão e dúvida aumentavam.


A permanência só foi possível por conta de uma bolsa integral concedida pela academia para custear o curso. Em 2008, quando dançou Acqua, seu segundo espetáculo, percebeu que o balé tinha se tornado bem mais que só um aprendizado. Sua rotina se resumia em escola pela manhã e balé o resto do dia.


Depois do ensino médio, era impossível aguentar a pressão. "Vamos, Bruna, acabou a brincadeira de bailarina, você precisa fazer algo, você precisa entrar em uma faculdade". Muito apegada à família e a Imperatriz, não queria ir embora, precisava encontrar seu futuro na própria cidade onde nasceu. Ninguém ao seu redor parecia levar a sério o balé como meta para o futuro e ela acabou se convencendo disso também. "Se eu fosse escolher uma faculdade, eu teria escolhido dança", analisa Bruna, relembrando o período.


Bruna Viveiros enfrentou pressões e dúvidas para se tornar bailarina profissional. (fotos: arquivo-colorida/preto e branco: Amanda Braide)


Em 2010, optou por Jornalismo na UFMA, área que mais a atraía dentre os demais cursos da cidade na época. Bruna lembra que a ideia também não agradou seus pais: "Minha filha, deixar de ser bailarina pra ser jornalista, que furada é essa…". Ela afirma que não via essa apreensão como desmotivação por parte deles, pelo contrário, tudo a levava a crescer e dar o melhor de si no que ela realmente amava: "Foi o que me fez ser o que sou hoje".


Mesmo com a faculdade, Bruna não abandonou a dança. Continuou tendo aulas de balé durante a manhã, estudava jornalismo à tarde e à noite ensinava dança na escolinha.

Ela descreve o momento como bastante intenso e prazeroso. No fim do dia era como uma terapia depois de tantos afazeres. Entrou na companhia de dança e comparecia aos ensaios nos finais de semana, sem exceção de feriados.


Em 2011, participou de Carmen, seu espetáculo favorito, por ter protagonizado como a personagem de mesmo nome, além de ter dançado com o primeiro bailarino vindo do Equador, diretamente do balé de Quito. Em 2010 e 2011 deu o ar da graça em duas versões de Anastasia, com um suíte do musical Moulin Rouge. Realizada, Bruna recorda quase que oniricamente de um tempo, quando, mesmo entornada de percalços, conseguiu aproveitar ao máximo as experiências.


Espetáculos como Carmen (dir.) moldaram o amadurecimento da bailarina. (fotos: preto e branco: Wescley Aquino; espetáculo Carmen: Antonio Wagner)


Balé e jornalismo


Jornalista quase que despretensiosamente, o curso foi chamando seu interesse, ao fim estava encantada, se sentia no lugar certo. “A UFMA me transformou", diz ela, saudosista da universidade. Talvez um dos lugares de mais relevância para a vida da bailarina, mudou sua forma de ver o mundo: “Boa parte do que entendo hoje, de minhas opiniões e posições, construí com o que a universidade me ensinou”. O jornalismo parecia uma utopia pra Bruna, ela já saiu da universidade estagiando em uma boa companhia, com um time bem equipado e o suporte necessário. Passou dois anos até o fim do estágio, mas, após sair da empresa, sua relação com o mercado de trabalho na cidade foi completamente diferente do que imaginava.


Muito limitada ao setor de assessoria de comunicação, as opções a levaram à área das agências de publicidade de Imperatriz. O trabalho era instigante, porém, com o tempo, já era perceptível o desapontamento: "Eu tinha conhecido o mundo ideal, trabalhar com recursos, com uma equipe incrível, onde você só tinha a sua função, pra mim depois, foi uma decepção", diz ela relembrando o momento. “Quanto mais eu trabalhava, mais me afastava da dança, e o jornalismo se tornava cada vez menos prazeroso”.


Largou a dança por praticamente cinco anos, entre 2014 e 2019. Bruna conta que participava esporadicamente do grupo de dança Pasárgada, justamente para repelir esse sentimento. Todos os membros também compartilhavam essa angústia, tinham suas ocupações e não podiam viver exclusivamente da dança, trabalhavam durante o dia e, à noite, ensaiavam. Bruna, entre alguns ensaios, ainda conseguiu apresentar um espetáculo junto ao grupo nesse período. Dançou Vagalumes urbanos (2017), com uma participação modesta, mas significativa. O grupo, que não queria desistir da dança, encantou, como indica o próprio nome, uma referência ao refúgio do poeta Manuel Bandeira: "Vou-me embora pra Pasárgada/Lá sou amigo do rei".


Bruna relembra: "Chegou num ponto que nem mesmo no Pasárgada dancei. Às vezes eu marcava com amigos, até mesmo eventos familiares, como o aniversário da minha mãe, mas o chefe já adiantava: 'Você é a encarregada do setor, não pode deixar de cumprir as suas atribuições'. Então faltava em todos", compara como um relacionamento abusivo. Acordava e ia trabalhar infeliz, era uma rotina enfadonha e cansativa, mas não se dava conta das circunstâncias. Foi nesse momento que Bruna percebeu que estava desenvolvendo uma depressão.


Os fouettés da vida


“Bruna, a professora de balé da escola teve que mudar de cidade, a gente pensou em você para completar a vaga. E aí, topa?”. Teve o maior alívio de sua vida quando recebeu a proposta de emprego da Escola Santa Teresinha para lecionar jazz e projetos de arte, como peças teatrais e musicais. Foi inesperado e libertador, tinha acabado de chegar em uma nova agência, bem diferente da anterior, o ritmo havia mudado, mas não se sentia realizada. O surgimento dessa nova proposta era um chamado dos céus.


Tornar-se professora de balé e elaborar projetos de arte foi libertador. (fotos: 1-Autorretrato; 2-Julieth Marques; 3-Lucas Santos)


Quando comentou com sua chefe, vibraram juntas, era perceptível como Bruna desejava aquilo, foi a escolha definitiva entre a dança e o jornalismo. Em todos esses anos trabalhando em agência, ela percebeu o quanto gostava de estar conectada à dança. Voltar para o seu mundo ideal e tendo remuneração, era simplesmente fantástico.


O trabalho na escola lhe rende frutos até os dias atuais. Lecionando balé como professora titular, a bailarina de sorriso farto e pés mágicos se realizou. Se definindo como “bairrista”, diz não ter tantas ambições em sua carreira para o futuro, mas não quer que nunca a dança a abandone novamente.


Impactos da pandemia


Bruna comenta os impactos no cenário da dança em Imperatriz durante o auge da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021. "O balé não era uma prioridade financeira para os pais dos alunos", observa. Ela destaca as preocupações financeiras que abalaram seu mundo e o daqueles ao seu redor, incluindo professores. "Causou uma insegurança financeira muito grande". Bruna teve que se adaptar à realidade daquele período e buscou soluções, transformando-se em uma instrutora de dança on-line.


A bailarina reconhece a estabilidade em seu emprego na escola Santa Teresinha como uma exceção e compartilha a sorte de ter sido mantida no quadro de funcionários, mesmo no pico dos casos. O cenário virtual estimulado pela pandemia acabou fortalecendo a sua formação profissional. "Pude fazer uma infinidade de cursos com professores renomadíssimos, ter contato com pessoas enormes do mundo da dança, que me abriram portas futuramente imensas, que eu nunca imaginei serem possíveis".


Reality e redes sociais


A bailarina considera a sua jornada no reality show Só Dança como “uma das coisas mais surreais” que ocorreram tanto em sua carreira como na sua própria vida. "Sempre fui uma pessoa muito insegura", confessa, revelando as dúvidas que a acompanharam ao longo dos anos. No entanto, uma amiga a encorajou a se inscrever, mencionando a falta de representatividade na dança e a oportunidade de Bruna se destacar. "Eu fiquei totalmente incrédula, achei que não ia dar em nada", admite.


Participação em reality rendeu novas emoções. (foto: Mayra Falsarella)


A partir de várias conversas e encorajamento, ela finalmente se inscreveu. A surpresa veio quando o convite para participar do Só Dança chegou: "Fiquei muito feliz com o convite e ao mesmo tempo com muito medo, com a insegurança batendo". Para Bruna, essa vivência foi marcante, proporcionando a oportunidade de conviver com nomes renomados da dança, aprender com profissionais influentes e se desafiar de maneiras inesperadas.


Após ter alcançado o segundo lugar no programa, a bailarina enfatizou o valor da experiência e expressou gratidão pela oportunidade e pelo apoio recebido de sua comunidade: "Isso trouxe tantas pessoas e tantas experiências e tantas coisas pra minha vida que me deixou tão feliz e muito grata a Deus e às pessoas".


Rainha da junina


Apaixonada pelo universo junino, Bruna Viveiros também aceitou a oportunidade de integrar uma quadrilha de Imperatriz. Ela explicou que, ao longo dos anos, sempre admirou esse mundo, mas suas responsabilidades profissionais e pessoais a mantiveram afastada. No entanto, em 2022, com mais estabilidade em sua vida, decidiu realizar a experiência inédita de dançar na quadrilha Arrasta Pé, sendo convidada para ser a noiva.

Como noiva da Arrasta Pé, Bruna se aprofundou no universo da dança popular. (foto: Paulo Cesar)


No início, Bruna hesitou em assumir essa responsabilidade, receando que isso pudesse causar conflitos com outras integrantes. No entanto, o diretor artístico Vitor Sabbag a convenceu, afirmando que a quadrilha já tinha planejado tudo com ela em mente. Bruna se empenhou em aprender os movimentos e evoluir rapidamente para cumprir as expectativas e o voto de confiança que a Arrasta Pé depositou nela.

Para sua surpresa, a junina foi campeã do Arraiá da Mira em 2022. Bruna recebeu reconhecimento e apoio de todo o Nordeste e até do mundo junino em nível nacional.


Bruna ficou impressionada com a energia dos participantes da junina. (foto: Rosana Barros)


Ela destaca a energia única envolvida, pois as pessoas se comprometem a dançar e se dedicam ao espetáculo, independentemente de serem profissionais. Expressa seu orgulho em fazer parte desse movimento e revela que continua a participar e a se dedicar, agradecendo pela oportunidade que ela jamais imaginou se concretizar em tão pouco tempo de preparação intensiva.


Ao refletir sobre seu percurso artístico, expressou humildemente como nunca se viu como alguém destinada a grandes realizações no mundo da dança. Criada com os pés no chão, ela tinha uma visão realista da dança e da arte em sua região. No entanto, ao longo dos anos, sua vida tomou rumos inesperados e desafiadores que a fizeram questionar suas próprias limitações e medos.


Bailarina teve que enfrentar lesões na coluna. (foto: Wescley Aquino)


Lesão e superação


Bruna também compartilhou sua jornada de superação diante de desafios físicos que surgiram em seu caminho. "Eu, na verdade, tenho uma lesão na lombar desde 2011. Foi um ano bem intenso para mim na dança”. Na ocasião, como protagonista de Carmen, acabou lesionando a coluna. “O que na época era algo totalmente embrionário, com o passar dos anos foi piorando”, conta. Após anos afastada da dança, ela voltou ao mundo artístico e, em 2022, começou a sentir dores intensas relacionadas a essa lesão.


Procurando tratamento de pilates para manter seu bem-estar físico, Bruna estava focada em sua carreira de jornalismo e dança, até que em outubro de 2022, foi surpreendida por uma condição pulmonar grave, que desencadeou um travamento sério em sua coluna. Com uma hérnia de disco que havia tratado no pilates, Bruna enfrentou uma crise ainda mais intensa, exigindo cinco meses de reabilitação.


Apesar das dificuldades, ela destacou o suporte essencial de sua escola e da junina, que a apoiaram durante esse período delicado. A escola diminuiu sua carga de trabalho e lhe deu assistência, enquanto a junina encontrou uma substituta para as apresentações que não eram de competição. Mesmo após sua liberação médica, a escola respeitou as restrições impostas para preservar sua saúde.


Com determinação e cuidados especiais, Bruna conseguiu voltar aos ensaios e participar das apresentações. Ela enfatizou a importância de fortalecer seu corpo com fisioterapia e musculação para evitar uma cirurgia, dadas as características específicas de sua condição. Enfrentando esse desafio físico, Bruna demonstrou seu compromisso com a dança e sua resiliência ao superar adversidades em busca de sua paixão.


Apesar de não fazer grandes projeções para o futuro, Bruna agradece por todas as bênçãos em sua vida e expressou o desejo de continuar trabalhando no mundo junino e na dança, mantendo sua saúde e proteção divina enquanto deixa a vida seguir seu curso. Ela enfatiza sua felicidade em fazer parte da quadrilha Arrasta Pé e a importância da comunidade que encontrou ali.


Bruna deixa claro que está disposta a seguir a jornada que a vida lhe reserva, confiando nas oportunidades que surgirem em seu caminho. Seu maior desejo é tornar o ensino da dança algo democrático. Frequentemente comenta com os amigos de iniciar um movimento social que torne isso possível, e que venha a transmitir esse espírito que ela quer tanto que se perpetue para outras crianças.


"Financeiramente falando, nunca compensou", diz ela hoje em dia, avaliando o seu percurso. Mas, sem remorso, a bailarina é claramente apaixonada por seu trabalho, basta dar uma olhada em suas redes sociais. Entre uma e outra foto ou vídeo em seu perfil, a graciosidade encanta. Os pés da bailarina são um símbolo de resistência, demonstram força e, ao mesmo tempo, delicadeza. Bruna é um exemplo de como a paixão e o empenho fazem toda a diferença na realização de um desejo.


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