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Via de comércio, vivências e memórias

Calçadão e avenida Getúlio Vargas englobam negócios, histórias e mudanças locais


Ana Gabriela Fonseca

Ana Luiza Palmeira

Ana Maria Nascimento

Calçadão é sempre a primeira opção dos imperatrizenses quando o assunto é comprar barato, com qualidade e com muita variedade de lojas e produtos. (foto: Ana Luiza Palmeira)


Às 8 horas da manhã o sol já irrompe as frestas do centro comercial de Imperatriz, o Calçadão da avenida Getúlio Vargas. Já se pode ouvir os portões das lojas se abrindo, outras, porém, continuam fechadas. As pessoas aguardam sentadas nos bancos, prontas para iniciarem mais um dia de trabalho ou de compras. Os vendedores se preparam arrumando as lojas, varrendo as frentes e tomando um cafezinho com salgado comprado na barraca de café da manhã.


Uma das barraquinhas é de Rita Sousa Cruz, que está há menos de 20 dias trabalhando no Calçadão e já expõe uma realidade de muitos autônomos. “O fluxo rotativo é aqui no Calçadão. O pessoal sustenta a família daqui. Porque aqui agrega as pessoas de todos os estados do Maranhão e dos bairros. E querendo ou não, a gente ajudando a economia”, afirma. Grande parte dos vendedores autônomos de Imperatriz tem como fonte de renda a sua venda na avenida. A vendedora explica que muitas pessoas compram comida nos ambulantes para não ter que pagar mais caro em restaurantes ou padarias.


O som do caminhar preenche o ambiente. São passos apressados, arrastados ou calmos que, junto com os cantos dos passarinhos, formam os primeiros momentos da manhã. Um carrinho conduzido por um homem é avistado de longe. Quando ele se aproxima exala um cheiro agradável. São flores.


Ao parar no início do Calçadão, passantes direcionam seu andar para observar as mudas de plantas. “Meu olhar já bateu direito aqui”, murmura uma senhora que aproveita para levar uma plantinha para sua residência. O vendedor é abordado pelo senhor Daciolo, que está procurando por um tipo de flor específica. Porém, não há mais. O dia que ele poderá encontrar a flor é segunda-feira, mas o homem tem um motivo especial para desejar a planta naquele momento. “Queria hoje, que final de semana é dia de dar flor pra mulher que de tudo faz. Gosto de dar o que minha esposa gosta”. As senhorinhas ao lado riem e concordam com o homem.


Mobilidade


A passarela começa a ficar cheia de pessoas e os lojistas se posicionam para atendê-las. Cláudio Azevedo é um dos muitos clientes que passam todos os dias no Calçadão. Para ele, a palavra que define o lugar é nostalgia. “Eu vinha aqui comprar roupas pros meus filhos. E hoje, aqui comprando fraldas pra minha netinha”, expõe o motorista, enquanto escolhe fraldas de tecido no expositório em frente à loja.


Os guardas municipais já iniciam suas rondas e ficam de olho em qualquer sinal suspeito ou de perigo, parando próximos a uma loja climatizada para aproveitar o ventinho gelado. E não são os únicos. Os cachorros Tom Cruise e Mendigo esbanjam todo o charme e elegância ao se refrescarem do calor imperatrizense. Do outro lado do Calçadão, um cantor arruma seus instrumentos enquanto se despede do filho de 5 anos.


– Tchau, papai.

– Tchau, garotão.


Após a despedida, os louvores expressados pelo músico podem ser ouvidos por todos os lugares.


O Calçadão é apenas uma parte de uma das avenidas mais importantes de Imperatriz: a Getúlio Vargas. O desenvolvimento da avenida teve início nos anos 1960, com a implementação da rodovia Belém-Brasília, planejada pelo presidente Juscelino Kubistchek, que colaborou para a expansão populacional e comercial em Imperatriz. A via foi construída no mandato do prefeito Raimundo de Moraes Barros (Mundico), entre 1959 e 1961, e teve como nome inicial “Avenida Eixo”. Desde essa época, já era desenhada como uma das principais da cidade e, por isso, a Getúlio Vargas foi uma das primeiras asfaltadas do município. Ela se estende da margem do rio Tocantins até a BR-010, possibilitando o acesso a vários bairros e ruas.


Enquanto os carros passam, a avenida é tomada pelas vozes de vendedores convidando os clientes a entrarem. Outros cantam ao microfone e divulgam a promoção do dia. E ao lado de toda essa mistura de movimentos, sons e cheiros, há uma casa quase perdida no meio das lojas.


“Se eu fosse definir essa rua com uma frase seria o amor que sinto por tudo isso aqui”, reflete Sonia Maria Alves de Costa, 58 anos e moradora há mais de 50 anos da avenida Getúlio Vargas. “Aqui ainda era barro quando eu cheguei e se transformou muito, mas ainda falta esgoto que preste e acessibilidade”, relata a autônoma, que mora com a mãe, já de idade avançada, e o irmão com necessidades especiais.


“Pra mim é bom, já era pra mim ter ido embora. Mas por causa do Mercadinho, da farmácia e do hospital, aqui tudo é muito perto”, expõe a vendedora ao olhar com ternura para sua rua.


Perdida entre lojas, a casa de Sonia Maria e família disputa espaço com as araras de roupas e manequins (foto: Ana Luiza Palmeira).


Para Sonia, o som que atrapalha o seu dia a dia não é apenas os das caixas de músicas das lojas, mas também o das construções. O barulho da britadeira invade o ambiente e a poeira se alastra pelo local. As calçadas são tomadas por materiais de construção que impedem a passagem dos pedestres. Em uma das principais ruas da cidade, é possível visualizar inúmeras obras, evidenciando o crescimento comercial constante. “A gente vê o desenvolvimento, né? O Junin, da capinha de celular, conseguiu comprar esse local aqui e ele vai construir dois pavimentos”, diz Josenildo Cardoso Lopes, 32 anos, apontando para a obra que está trabalhando.


O eletricista explica que para serem estruturados os novos prédios é necessário a autorização do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MA). Não passa despercebido pelo trabalhador o incômodo gerado pela obra na avenida. “É porque de certa forma incomoda um pouco o trânsito aqui e também a parte do passeio público”, afirma, referindo-se à grande movimentação do lugar.


Transformações


Quem caminha pelos quarteirões da Getúlio Vargas, percebe que os estabelecimentos comerciais vão se transformando. As lojas de roupas e acessórios começam a dar espaço às de departamento, de materiais de construção e farmácias. E as pessoas deixam de se espremer nas calçadas, pois o fluxo vai alternando e se esvaindo dentre as ruas como Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, ligadas à avenida. E é também nela que se localiza uma das principais praças da cidade, a Praça Brasil.


Nesse ambiente repleto de histórias, a parada de ônibus está sempre lotada, com pessoas voltando com sacolas cheias de compras, da escola ou do trabalho. Enquanto o ponto do “Portal da Sorte” está cheio de apostadores interessados em ganhar a premiação de domingo, umas das poucas bancas de jornais de Imperatriz, em seu movimento monótono, mostra seus jornais e revistas, esperando alguém para comprar. Logo depois, um senhorzinho para a sua bicicleta para ler o jornal “O Progresso” e se inteirar das notícias locais.


Em frente à praça, a polícia realiza uma ronda. As pessoas param para observar o que está acontecendo. Alguns pegam o celular para gravar e outros cochicham de longe. Até uma emissora de televisão está presente para cobrir a operação e noticiar no jornal local. “A operação da Polícia Militar é feita aqui na Praça Brasil pelo movimento. Eu acho que aqui na verdade é o centro da cidade, porque liga o Entroncamento ao Calçadão”, declara Gleyson Rocha de Paula, 38 anos, sargento do Grupo de Operações Especiais (GOE).


E não é só o policial militar que considera a Getúlio Vargas como centro de Imperatriz. Maria Clecir Sousa Santos, 51 anos, comenta que para ela este lugar é o símbolo do comércio. "Com certeza é um lugar que você encontra tudo, facilita muita coisa”, esclarece a funcionária pública.


Festividades


O clima na avenida está dividido. As lojas estão enfeitadas com balões e cores vibrantes. As músicas se mesclam entre gospel, sertanejo e cantigas infantis. Os brinquedos ornamentam as prateleiras frontais. O carro de som anuncia: “Chame o papai e a mamãe e venha correndo para o Atacadão JP”. O Dia das Crianças está próximo. Os pequenos observam os brinquedos e puxam os pais para entrar nos estabelecimentos. Alguns já escolheram os seus presentes e saem felizes das lojas com um sorriso no rosto.


A atmosfera da Copa do Mundo já contagia o ambiente. É possível ver as bandeiras do Brasil estendidas nas fachadas, as camisas da seleção em araras nas calçadas e as bugigangas embelezando as mesas dos comerciantes autônomos. Manoel Alex Santos, 22 anos, trabalha em uma loja de artigos esportivos e menciona a perspectiva para as vendas dos produtos.


“A expectativa dos lojistas para a Copa de 2022 é de que possam vir muitos clientes e que a gente possa alcançar nossos objetivos de venda. Esperamos que venham todos, não só torcer por time, mas torcer pelo país, pelo Brasil em si”, expressa o vendedor.


“Ó o tamanho do pequi”, grita um ambulante pedalando a sua bicicleta. O suor marca a sua camisa devido ao calor da tarde. Um caminhão estaciona em frente à loja. As mercadorias não param de chegar em caixas de papelão apoiadas em carrinhos de mão. As vendedoras se abanam. Enquanto isso, os clientes entram em estabelecimentos refrigerados para tentar se refrescar e fugir do sol. Já outros nem se preocupam. Na janela de um carro, um cachorro passa com a língua de fora observando, despreocupado. E uma senhora lancha tranquilamente caldo de cana gelado com um pastel que acabou de sair da fritura.


Trabalhando na avenida, Gilmar Pereira assegura o sustento de sua família. (foto: Ana Luiza Palmeira)


Aos 37°C, Gilmar Pereira, vendedor de água de coco, aproveita para ganhar a vida com o líquido refrescante e ainda descreve o que a Getúlio Vargas significa para ele.


“Eu especificaria como se fosse um corpo humano. O que é um corpo humano? Ele é coberto de órgãos, e o pulmão é o Calçadão e a Getúlio Vargas”, reflete.


O vendedor explica, mostrando o caixote com cocos e o seu carrinho, que tudo que conquistou foi por causa das vendas no local. A Avenida Getúlio Vargas, para os lojistas e consumidores, é tão importante quanto o ar para os pulmões.


Ao anoitecer o ambiente vai se transformando novamente. O brilho do sol dá lugar ao luar. O movimento vai se esvaindo. As caixas de som são desligadas. O barulho que se escuta agora é dos portões das lojas sendo fechados. Os vendedores começam a arrumar as lojas colocando o lixo para fora e recolhendo os tapetes de “Bem-vindos”. Para conquistar mais ainda os clientes, alguns estabelecimentos esperam até mesmo depois do horário comercial, tudo para garantir uma venda e encerrar o dia batendo metas.


O movimento das ruas agora é apenas de pessoas saindo do trabalho para retornarem às suas casas. Algumas esperam carona ou o ônibus de seu determinado bairro para fazerem o caminho contrário ao trajeto percorrido de manhã. O pulmão da cidade começa a respirar o ar monótono e calmo de um centro comercial vazio. O pretume do asfalto já pode ser visto com mais clareza com a diminuição do fluxo automotivo. E assim mais um dia se encerra na avenida Getúlio Vargas.




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